A grandeza de Deus, está no tamanho de sua fé! |
A fé, ao longo da história humana, vem sendo quase sempre associada à crença religiosa dogmática. É tida
por uma crença em Deus pautada na interpretação da palavra de algum Messias por
um grupo de indivíduos que estão à frente de determinada religião. Como a fé
fica associada à crença em dogmas peculiares a cada religião, isso leva ao
afastamento entre os seus adeptos, pois cada qual argumenta que os seus dogmas
são os únicos corretos.
Numa visão da Ciência
Espírita, a fé é muito mais do que mera crença, e tal crença não é dogmática,
mas científico-filosófica, como qualquer outra crença humana deve ser, ou seja,
devemos acreditar em algo, apesar de sempre abertos a mudar de posição, porque
há explicações racionais e plausíveis para aquilo, mas cientes de que contamos
também com nossa intuição e nossos sentimentos nas tomadas de decisão. Do
contrário, a tendência de se cair em ortodoxias/dogmatismos e misticismos é
enorme, o que afasta os humanos da realidade e os segrega.
Segundo os Espíritos explicam
em diversas obras psicografadas, a fé é uma crença, porém, mais forte do que
isso, é um sentimento inato, escrito na consciência (ou inconsciência) de cada um:
“A
fé é o sentimento inato, no homem, de sua destinação futura; é a consciência
que tem das faculdades imensas, cujo germe foi depositado nele, primeiro em
estado latente, e que deve fazer eclodir e crescer por sua vontade ativa.
Até
o presente, a fé não foi compreendida senão sob o aspecto religioso…” (Mensagem de um Espírito Protetor, Evangelho segundo o
Espiritismo, Allan Kardec, p. 189).
Muito mais do que uma obra
religiosa, o Evangelho segundo o Espiritismo é um livro filosófico que traz
interpretações dos Espíritos acerca da moral cristã. Ele analisa trechos da
Bíblia para dar a visão dos Espíritos sobre ela, estabelecendo uma filosofia de
elevada carga moral e extremamente racional.
Assim como muitos já
acreditam, com facilidade, desde bem novos, em uma porção de ideias das quais
nem sequer tinham ouvido falar, ou que praticam determinadas faculdades, como a
caridade, desde muito cedo por estarem elas sedimentadas em suas consciências;
a fé é desse gênero de faculdades que nascem com o ser. Todo humano nasce com
esse germe, como a coragem e outras faculdades, que são, inclusive, maximizadas
pela própria fé.
Como o humano é “construído”
ao longo de várias encarnações, a fé dele pode ser mais ou menos forte de
acordo com o que fez durante os muitos séculos de existências. É claro que
alguns indivíduos acreditam mais em si e numa ordem progressiva das coisas do
que outros.
Os que têm a fé mais
desenvolvida geralmente são dotados de maior força de vontade e resiliência
perante as dificuldades da vida, de modo que ela é uma importante capacidade
socioemocional, devendo ser trabalhada com esforço:
“A
árvore da fé viva não cresce no coração miraculosamente.
Qual
acontece na vida comum, o Criador dá tudo, mas não prescinde do esforço da
criatura.
(…)
A maioria das pessoas admite que a fé constitua milagrosa auréola doada a
alguns espíritos privilegiados pelo fator divino.
Isso,
contudo, é um equívoco de lamentáveis consequências” (Vinha de Luz, psicografia de Chico Xavier, Espírito
Emmanuel, p. 50).
A fé é, portanto, mais do que
mero acreditar; é sentir dentro de si uma força, uma faculdade a ser
desenvolvida. É a confiança nas capacidades depositadas em si pela natureza e
na existência de uma ordem natural progressiva.
A fé é paciente, pois sabe que
tudo gira dentro de uma ordem de coisas a caminho do progresso. A fé é
corajosa, pois sabe que os esforços bem direcionados serão recompensados em
algum momento. A fé é caridosa, pois sabe que a lei natural recompensa, ainda
que em outras vidas, aquele que age pelo bem do próximo.
A fé desperta, portanto, uma
porção de outras faculdades fundamentais, fazendo até mesmo com que o ser não
interrompa o seu trabalho, e até o intensifique, quando for dura e
repetidamente agredido pelos que dele discordam, sabedor de que cada um terá o
que merece no momento adequado.
A fé meramente humana acredita
no sucesso dos seus empreendimentos baseados no esforço. Aqueles que põem tudo
de si em busca de algum fim ao menos próximo do concretizável fatalmente
terminam alcançando-o. Boa parte dos humanos não chegam a suas metas por terem
dificuldades de defini-las em face de questões socioemocionais, de modo que
passam toda a vida mudando de objetivos e nada relevante atingem.
Outros sabem o que querem,
porém não têm fé o bastante de que podem alcançar, ou não conseguem traduzir
sua fé na força necessária, ou não aplicam tal força no meio mais adequado para
atingir a meta.
A fé divina, por outro lado,
aquela que diz respeito à continuação da vida, à nossa existência enquanto
Espíritos e à existência de uma ordem natural progressiva, é a que está mais
apta a desenvolver nossas faculdades socioemocionais, acarretando-nos as
principais metas que qualquer ser humano deve almejar: a paz interior por meio
do progresso moral e intelectual sob a perspectiva do Espírito.
O homem de fé é mais
emocionalmente estável, pois sabe que as expiações lhe ensinam e fortalecem.
Isso tudo é entendido empiricamente, observando aqueles que têm fé e a nós
mesmos quando agimos proativamente com essa confiança na ordem natural que,
apesar de enganar a muitos sobre isso, está sempre evoluindo.
“A
fé é força divina, sendo o conjunto das virtudes que se apoderam da nossa
consciência, instalando o amor em nosso coração. O Espírito, mesmo movendo-se
em um corpo físico, pode acionar as forças da fé; depende dele mesmo, no
aprimoramento das suas qualidades no campo dos sentimentos, alinhavando, todos
os dias, a força mental na educação dos seus próprios pensamentos, cuja
convivência com eles ainda são segredos, sendo área enorme para ser trabalhada
pela disciplina, como pela instrução” (Cura-te a ti mesmo, psicografia de João Nunes Maia,
Espírito Miramez, p. 48).
A fé, para além de uma crença
raciocinada, um sentimento, uma faculdade, pode ser entendida como um conjunto
de faculdades socioemocionais, pois, como visto, dela depende o seu
desenvolvimento.
O livro “Foco triplo: uma nova
abordagem para a educação”, do maior especialista do mundo em inteligência
emocional, que é doutor em Psicologia por Harvard e autor do best-seller
Inteligência Emocional, Daniel Goleman, e do professor do Massachussetts
Institute of Technology (MIT),
Peter Senge, defende uma reforma da educação que desenvolva muito mais as
faculdades socioemocionais por meio da Aprendizam Socioemocional (ASE), mas com uma repaginação desta.
Com base em diversos estudos
científicos e em experiências bem sucedidas realizadas em escolas, eles
defendem que é preciso construir uma educação que desenvolva as faculdades
naturais das crianças, despertando, por exemplo, o foco, a atenção, o
planejamento de médio a longo prazo, a empatia e outros aspectos
socioemocionais do indivíduo que são muito mais importantes para o seu sucesso
do que costumeiramente se imagina.
A fé pode ser entendida também
como a crença na importância dessas faculdades naturais de caráter
socioemocional, ou o próprio conjunto delas, que nos conectam com o nosso
íntimo e com os outros, indo além do mundo materialista e superficial ao qual a
maioria dos humanos ainda estão muito ligados e pelo qual ficam distraídos em
relação ao que realmente importa, que é a busca de paz de espírito, de
fortalecimento de faculdades que permitam sermos melhores conosco e com os
demais, gerando mais felicidade para todos.
Outro aspecto da fé está
consubstanciado no fato de que o pensamento humano tem um enorme poder ainda
desconhecido, comprovado em parte por meio do chamado efeito placebo. Se a
Medicina aceita que a fé do indivíduo na cura por determinada substância
placebo travestida de um remédio, de fato, provoca aquela cura, ela atesta que
o poder da mente tem grandes efeitos sobre as doenças do corpo.
O vencedor do Prêmio Nobel de
Medicina em 1912, o francês Alexis Carrel, realizou importante estudo
científico sobre o poder da oração, que está registrado no livro A oração: seu
poder e efeitos. Ele o inicia assim:
“A
Nós – homens do Ocidente – a razão parece-nos muito superior à intuição,
preferimos grandemente a inteligência ao sentimento. A ciência irradia, ao
passo que a religião se extingue. Seguimos Descartes e abandonamos Pascal.
Desta
maneira, procuramos principalmente desenvolver em nós a inteligência. Quanto às
atividades não intelectuais do espírito, tais como o senso moral, o senso do
belo e – sobretudo – o sentido do sagrado são desprezadas por forma quase
completa. A atrofia dessas atividades fundamentais torna o homem moderno um ser
completamente cego, e essa enfermidade não lhe permite ser um bom elemento
constitutivo da sociedade.
[…]
O sentido do sagrado exprime-se, sobretudo, pela oração. A oração, como o
sentido do sagrado, é, evidentemente, um fenômeno espiritual. Mas,
encontrando-se o mundo espiritual fora do alcance das nossas técnicas, como
devemos, portanto, adquirir um conhecimento positivo da oração? Felizmente, o
domínio da ciência abarca a totalidade do que é observável e pode, por intermédio
da fisiologia, estender-se até as manifestações do espiritual. Assim, é pela
observação sistemática do homem que reza que nós poderemos aprender em que
consiste o fenômeno da Oração, a técnica da sua produção e os seus efeitos” (p. 2).
Mais à frente, o vencedor do
Nobel de Medicina volta a falar sobre o poder da fé e da oração observado
empiricamente por ele:
“São
os efeitos curativos da oração que, em todas as épocas, têm despertado
principalmente a atenção dos homens. Hoje ainda, nos meios em que se reza, é
corrente ouvir-se falar de curas obtidas graças a súplicas dirigidas a Deus ou
aos seus santos. Mas, quando se trata de doenças susceptíveis de se curarem
espontaneamente ou com a ajuda de medicamentos vulgares, é difícil saber qual
foi o verdadeiro agente de cura. É apenas em casos em que a terapêutica é
inaplicável, ou em que ela não produziu efeito, que os resultados da oração
podem ser verificados por forma segura. A repartição médica de Lourdes tem
prestado um grande serviço à ciência, demonstrando a realidade dessas curas. A
oração tem, por vezes, um efeito que podemos chamar explosivo. Há doentes que
têm sido curados quase instantaneamente de afecções tais como o lúpus facial,
cancro, infecções renais, tuberculose pulmonar, tuberculose óssea, tuberculose
peritoneal etc. O fenômeno produz-se quase sempre da mesma maneira: uma grande
dor e, em seguida, a percepção de se estar curado. Em alguns segundos ou,
quando muito, em algumas horas, os sintomas desaparecem e as lesões orgânicas
cicatrizam” (p.
10).
Se a faculdade da fé, esse
poder mental, fosse mais bem desenvolvida, muitas doenças seriam evitadas ou
curadas com facilidade, pois bastaria o indivíduo estar em bom estado de
espírito, acreditando não haver razões para ficar doente, que ficaria logo
curado, desde que merecesse, uma vez que há vários casos irreversíveis.
Não são poucas as histórias de
pessoas que se curaram até mesmo do câncer sem os tratamentos indicados pela
Medicina. Há muitíssimo que a ciência humana ainda não sabe sobre o poder da
mente, do Espírito, das vibrações, daquilo que lhe parece transcendental.
A Ciência Espírita quer se
afastar da fé exclusivamente religiosa, daquela ideia de fé distorcida pelo
homem, que busca apenas retornos egóicos, como ganhos financeiros, males para
os inimigos, soluções místicas e afins, mas que não pretende realizar uma
reforma íntima, um desenvolvimento das suas faculdades.
A Ciência Espírita ajuda,
portanto, a restaurar as religiões, corrigindo distorções feitas sobre a
similar filosofia moral que foi propagada por grandes missionários como
Zaratrusta (Zoroastro),
Buda, Jesus, Francisco de Assis e outros. Como diria mais uma vez Emmanuel, na
psicografia de Chico Xavier:
“Qual
a finalidade do esforço em minha vida? Esta é a interrogação que todos os
crentes deveriam formular a si mesmos, frequentemente.
O
trabalho de auto esclarecimento abriria novos caminhos à visão espiritual.
Raramente
se entrega o homem aos exercícios da fé, sem espírito de comercialismo
inferior. Comumente, busca-se o templo religioso com a preocupação de ganhar
alguma coisa para o dia que passa.
Raciocínios
elementares, contudo, conduziriam o pensamento a mais vastas ilações.
Seria
a crença tão-somente recurso para facilitar certas operações mecânicas ou rudimentares
da vida humana?” (Vinha
de Luz, p. 102).
A educação deveria ter como um
pilar central o desenvolvimento da fé raciocinada, da relevância das faculdades
socioemocionais como passos essenciais para o sucesso do indivíduo na vida. Uma
educação de sucesso nesse sentido levaria a uma sociedade muito mais evoluída
em termos de respeito ao próximo, à sua liberdade, ao mesmo tempo em que se
buscaria uma maior igualdade e um relacionamento fraterno.
A escola precisa ter a
religiosidade e a espiritualidade fortes dentro dela, enquanto que os locais de
cultos religiosos deveriam ser compreendidos como centros de educação sobre
espiritualidade e filosofia moral visando ao desenvolvimento das faculdades
naturais humanas, e não como espaços de meros rituais e propagação de dogmas,
que costumam descambar para o exercício do poder sobre os fiéis e/ou para a
obtenção de ganhos financeiros.
Por Marcos Villas-Boas
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