A prisão das ilusões. |
Kardec informa, em O Livro dos Médiuns, que diante das diversas dificuldades que a prática do Espiritismo apresenta, precisamos colocar em primeiro plano o problema da obsessão.
A palavra obsessão assume, assim, a função de termo genérico que designa o conjunto de características diversas resultantes do grau de constrangimento e da natureza dos efeitos que produz e que precisamos distinguir com precisão, cujas principais variedades são: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação.
A obsessão simples é a forma de influenciação mais comum e de mais fácil diagnóstico e cura; a subjugação é o seu oposto, pois ela é um envolvimento que produz a paralisação da vontade da vítima, fazendo-a agir mesmo contra a sua vontade. Entretanto, neste estudo, nosso interesse maior é na problemática fascinação.
A fascinação define Allan Kardec, “trata-se de uma ilusão criada diretamente pelo Espírito no pensamento do médium e que paralisa de certa maneira a sua capacidade de julgar as comunicações. O médium fascinado não se considera enganado. O Espírito consegue inspirar-lhe uma confiança cega, impedindo-o de ver a mistificação e de compreender o que escreve, mesmo quando este salta aos olhos de todos” [1].
Os efeitos consequentes da fascinação são muito graves porque é graças a essa ilusão criada pelo espírito sobre o fascinado que pode levá-lo a aceitar as doutrinas ou teorias mais absurdas, como sendo a única expressão da verdade levando-o, ainda, a atitudes ridículas, comprometedoras e, até, muito perigosas. É por isso que J. Herculano Pires afirma que “no meio espírita ela se manifesta de maneira ardilosa através de uma avalanche de livros comprometedores, tanto psicografados como sugeridos a escritores vaidosos, ou por meio de envolvimento de pregadores e dirigentes de instituições que se consideram devidamente assistidos para criticarem a Doutrina e reformularem os seus princípios” [2].
Assim sendo, é natural observar-se que na fascinação o espírito deve ser muito inteligente, ardiloso e profundamente hipócrita, pois, só assim conseguirá enganar e impor-se usando uma máscara e uma falsa aparência de virtude, usando as palavras caridade, humildade e amor como ‘carta de fiança’ para ser aceito.
O que desejam é impor a sua opinião e para isso procuram médiuns crédulos o suficiente para aceitá-los de olhos fechados. Eles são os mais perigosos pelo fato de não vacilarem em sofismar para melhor impor as mais ridículas utopias.
Normalmente utilizam uma linguagem empolada, mais superficial que profunda e cheia de termos técnicos, enfeitada com grandiosas palavras como Caridade e Moral, evitando inteligentemente os maus conselhos para que seus enganados possam dizer: observem que nada dizem que seja mau. Fica claro que os enganadores têm de misturar o joio e o trigo, pois de outra forma seriam repelidos.
Um fato interessante é que os espíritos desta classe (ver Escala Espírita [5]) são quase sempre escritores. É por isso que procuram médiuns flexíveis, que escrevam com facilidade, para poder transformá-los em dóceis instrumentos e, acima de tudo, verdadeiros entusiastas de suas ideias. Eles procuram compensar sua falta de qualidade pela quantidade de palavras, em escritos verdadeiramente volumosos, muitas vezes indigestos, num claro exemplo de prolixidade. Os espíritos verdadeiramente superiores são sóbrios nas palavras porque sabem dizer muita coisa usando poucas linhas e provando que devemos desconfiar sempre de toda fecundidade prodigiosa.
Aliás, sempre que se tratar da publicação destes tipos de escritos nunca será demais a prudência, pois as inúmeras utopias e excentricidades são um entrave enorme para todos aqueles que se iniciam no Espiritismo, dando-lhes uma ideia equivocada do que ele seja, desviando a atenção dos neófitos tanto dos princípios fundamentais espíritas quanto de suas inevitáveis consequências.
Pelo fato de que a obsessão propriamente dita só acontece quando o Espírito afasta voluntariamente todos aqueles que o poderiam ameaçar, impondo ao médium um isolamento que o impediria de ser alertado do engano a que se submete, é oportuno ressaltar que os bons Espíritos jamais se impõem, recomendando sempre que examinemos as comunicações, mediúnicas ou não, sob controle da razão e da lógica mais severa.
Outro fato digno de nota é que quando o Espírito vê que suas mensagens não são aceitas cegamente como queria, sendo submetidas à análise e discussão, além de não deixar o médium, redobrando suas forças para reter o fascinado, ainda pode sugeri-lo o pensamento de afastar-se do grupo, ou instituição espírita a que está ligado, quando não chega mesmo a impor como condição para o ‘sucesso’ do médium criar sua própria instituição, ou grupo de estudos, para dar prosseguimento aos seus ‘trabalhos’ e livros ‘reveladores’.
É por isso que todo médium, ou indivíduo, que, ao ouvir uma crítica a tais mensagens se irrita, aborrece ou embirra com as pessoas que não participam da sua admiração, que acha que suspeitar do seu obsessor é quase uma profanação não faz mais do que representar o desejo do fascinador, faltando somente que se ponham de joelhos ante as suas palavras para satisfazê-lo ainda mais.
Esse isolamento nunca é bom, pelo simples fato de que o médium fica sem possibilidades de controle sobre tudo o que recebe por sua psicografia. Pois quando o processo obsessivo é de origem ‘simples’ o médium está, geralmente, em condições de iniciar, ele mesmo o trabalho de ‘conversão’ do Espírito obsessor. Entretanto, na fascinação é o contrário, pois o Espírito pode adquirir um controle sobre a vítima sem limites. Reverter este quadro nem sempre é fácil, pois o fascinado se torna surdo a qualquer tipo de raciocínio, podendo chegar, até mesmo, a duvidar da Ciência quando o Espírito comete alguma heresia científica.
Deve o médium, se não quiser ser enganado, buscar esclarecer-se através da opinião de terceiros, bem como estudar todos os gêneros de comunicações, para poder aprender a compará-las. Pois se limitando somente ao que recebe, por mais sublimes que pareçam, fica exposto a enganar-se quanto ao seu valor, considerando-se que ele, o médium, não conhece tudo. Não é à toa que, das nove características citadas por Kardec para se reconhecer uma obsessão [3], pelo menos quatro são facilmente observáveis em muitos médiuns, inclusive alguns famosos, nos dias de hoje:
1) Ilusão que, não obstante a inteligência do médium, o impede de reconhecer a falsidade e o ridículo das comunicações recebidas;
2) Crença na infalibilidade e na identidade absoluta dos Espíritos que se comunicam e que, sob nomes respeitáveis e venerados, dizem falsidades e absurdos;
3) Disposição para se afastar das pessoas que podem esclarecê-lo; e
4) Levar a mal a crítica das comunicações que recebe.
A obsessão é como já foi dito, um dos maiores escolhos da mediunidade, sendo um dos mais freqüentes, principalmente a fascinação, nunca sendo demais todas as providências tomadas para combatê-la.
É por isto que devemos ter sempre em mente este conselho de São Luís, quando nos encontrarmos em dúvida quanto à qualidade ou identidade de algum espírito: “por mais legítima confiança que vos inspirem os Espíritos [...], há uma recomendação que nunca seria demais repetir e que deveis ter sempre em mente ao vos entregardes aos estudos: a de pesar e analisar, submetendo ao mais rigoroso controle da razão todas as comunicações que receberdes; a de não negligenciar, desde que algo vos pareça suspeito, duvidoso ou obscuro, de pedir as explicações necessárias para formar a vossa opinião” (grifo nosso)[4].
Pois é, a experiência ensina, além disso, que não devemos tomar muito ao pé da letra certas expressões usadas pelos Espíritos, pelo simples fato de que se as interpretarmos segundo as nossas ideias nos expomos a enormes decepções e enganos. É por isso que precisamos analisar e aprofundar o sentido das suas palavras quando apresentam a menor ambiguidade. Só assim estaremos a salvo dos Espíritos pseudossábios e da problemática fascinação.
Referências:
[1] Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução da 2ª edição francesa por J. Herculano Pires. São Paulo – LAKE, 2004, cap. XXIII, item 239, p. 217.
[2] Idem, ibidem. Nota de rodapé.
[3] Idem, ibidem. Item 243, p. 219.
[4] Idem, ibidem. Item 266, p. 236.
[5] Idem. O Livro dos Espíritos. Tradução de José Herculano Pires, revista e anotada. 7ª Ed. São Paulo, LAKE, 2003. Livro segundo, capítulo I, item VI, q. 104.
FONTE: Revista Internacional de Espiritismo, ed. Junho/2010
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