Nascer! Um processo necessário |
1.1 — Metempsicose
Lemos no “Vocabulário Espírita”: “Reencarnação — Volta do espírito à vida corpórea, pluralidade das existências”. (O Livro dos Médiuns, XXXII.)
Embora essa palavra, salvo melhor juízo, tenha surgido em meados do século XIX nas obras de Allan Kardec, o conceito de reencarnação da alma não é recente, existe há milênios. (Veja-se o nosso livro Reencarnação: lei da Bíblia, lei do Evangelho, lei de Deus (Lachâtre, 1999).)
O espiritismo, porém, não assimilou o conceito de reencarnação de doutrinas preexistentes. Como aconteceu a todos os seus princípios, os espíritos é que o proclamaram. Entendendo haver lógica no ensino reencarnacionista dos espíritos reveladores, Kardec, segundo seu método específico de codificação, elevou esse ensinamento à condição de princípio espírita. (Cf. KARDEC, O Livro dos espíritos. Parte segunda, V – Considerações sobre a pluralidade das existências. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Introdução, II — Autoridade da doutrina espírita. Controle universal do ensino dos espíritos.)
A origem das espécies (Charles Darwin, 1859) há de ter sido determinante para que o codificador do espiritismo desse como verdadeiras certas instruções que só vieram a constar da segunda e definitiva edição de O Livro dos Espíritos (1860), as quais explicam a ontogênese mediante a filogênese. Isto é, o princípio inteligente da criação, de que é constituído o próprio espírito humano, elabora-se nos reinos inferiores da natureza, numa rota evolutiva, sem solução de continuidade, “desde o átomo primitivo até o arcanjo, pois ele mesmo [o arcanjo] começou pelo átomo”. (O Livro dos Espíritos, 540. Tradução de J. Herculano Pires, LAKE, 55ª ed., 1996. Cf. 607 e 607-a. Colchetes nossos.)
Vale bem salientarmos isso, porque, uma vez ou outra, ainda há notícias de certa confusão sobre o princípio das vidas sucessivas. As doutrinas orientais não possuem, nem poderiam originalmente possuir, o conceito de evolução. É assim que, não raro, elas têm da reencarnação idéias diferentes da que a doutrina dos espíritos proclama como lei natural. A metempsicose é um exemplo disso, admitindo a volta da alma humana em corpos animais, vegetais e até minerais...
O espiritismo ensina que o espírito passa a primeira fase do seu desenvolvimento numa série de existências anteriores ao período a que chamamos humanidade. (Ibid., 607.) Portanto, a alma humana foi o princípio inteligente dos seres inferiores da criação. Em razão disso, afirmam os espíritos que tudo na natureza se encadeia e tende para a unidade, que nesses seres inferiores, cuja totalidade estamos longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida. Segundo eles, trata-se de um trabalho preparatório, semelhante ao da germinação. O princípio inteligente sofre, assim, uma transformação, e se torna espírito. (Ibid., 607-a.)
[Kardec:]
Poderia encarnar num animal o espírito que animou o corpo de um homem?
[Espíritos:]
“Isso seria retrogradar e o espírito não retrograda. O rio não remonta à sua nascente.” (Ibid., 612. Colchetes nossos.)
1.2 — Carma
Outra dificuldade quanto às vidas sucessivas está numa palavra que nunca foi utilizada por Allan Kardec na Codificação do espiritismo. Trata-se do vocábulo carma — do sânscrito karman, “ação”. Os pouco estudiosos costumam empregá-la apenas num mau sentido, num sentido negativo: uma dívida do passado a ser paga no presente. Mas o carma pode igualmente ser bom, positivo.
Num ponto de vista mais global, tudo depende do conjunto de nossas ações pretéritas, do “saldo”, digamos assim, de bem e de mal que temos em nossa “conta”. Se tivermos em nosso passado mais méritos que deméritos, teremos uma “conta” cármica de saldo azul, positiva; se mais deméritos que méritos, uma “conta” cármica com saldo vermelho, negativa.
Embora a palavra carma não conste do vocabulário kardeciano, o espiritismo confirma a verdade essencial por ela expressa: o passado criou o presente e este gera o futuro.
“Por meio da pluralidade das existências, o espiritismo ensina que os males e aflições da vida são muitas vezes expiações do passado, bem como que sofremos na vida presente as conseqüências das faltas que cometemos em existência anterior e, assim, até que tenhamos pago a dívida de nossas imperfeições, pois que as existências são solidárias umas com as outras.” (KARDEC, A Gênese, XV:15.)
Observe-se que o codificador não atribui todas as vicissitudes do presente a delitos de vidas passadas. Isso se dá muitas vezes. Quer dizer que nem sempre é assim!
Em espiritismo, a reencarnação é necessária por ser o meio de evolução do espírito. Ela não existe para que o espírito sofra, mas a fim de que ele evolua rumo à perfeição a que fatalmente se destina. Qualquer masoquismo é patológico e longe está de ser uma responsabilidade da doutrina espírita.
O fato é que a reencarnação tem um objetivo: a perfeição espiritual, que não pode ser atingida sem que o espírito passe por provas e, eventualmente, na proporção exata dos males praticados, por expiações. Esta é a lei. Agrade-nos ou não. (Cf. KARDEC, O livro dos espíritos. Introdução, VI e VII.)
A doutrina é muito precisa em estabelecer que nem todo sofrimento por que passamos neste mundo resulta de uma determinada falta no passado. O espírito também busca “simples provas para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso”, o que levou Kardec a dizer que “a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, V:9. O Livro dos Espíritos, 268.)
Portanto, há três campos a considerar no que respeita a tudo que nos sobrevém nesta vida: as existências anteriores, a existência atual e os períodos entre vidas, chamados erraticidade. Nestes últimos, dependendo da situação em que se encontre, o espírito é capaz de escolher os gêneros das provas — expiatórias ou não — que melhor o conduzirão a superar-se, para avançar na evolução. (Cf. KARDEC, O Livro dos Espíritos, 871.)
A causa primordial da reencarnação, segundo o espiritismo, não está nas faltas eventualmente cometidas, mas na necessidade geral que os espíritos têm de evoluir para a perfeição a que todos igualmente se destinam. A reencarnação é, portanto, o meio de eles progredirem, não propriamente de serem punidos. (Cf. KARDEC, O Livro dos Espíritos, 133. A Gênese, XI:26.)
1.3 — O Retorno
Muitas são as conjecturas acerca da união entre a alma e o corpo. Quando e como aconteceria essa ligação?
No entender espírita, considerado em sua essência, o espírito propriamente dito constitui um ser abstrato e, portanto, indefinido. Por essa razão, não pode ele ter “ação direta” sobre a matéria. Assim, necessita para tanto de um intermediário. Tal mediador é o seu envoltório fluídico, ou perispírito. Segundo Kardec, esse revestimento é “semimaterial”, porquanto “pertence à matéria pela sua origem e à espiritualidade pela sua natureza etérea”. (A Gênese, XI:17-18.)
O fluido perispirítico, ou seja, a energética do corpo espiritual, possibilita, assim, a união entre o espírito e a matéria. Enquanto a alma está ligada ao corpo físico, o perispírito serve de veículo ao pensamento, transmite movimento às diversas partes do organismo e, por outro lado, também faz que tenham repercussão na alma as sensações que os agentes materiais produzem.
No momento em que o espírito se reencarna, um “laço fluídico”, “expansão do seu perispírito”, une-o ao óvulo fecundado. À medida que o embrião se desenvolve, esse “laço” se encurta. É assim que, no dizer de Kardec, “o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, ao corpo em formação”. Desse modo, o espírito, por meio de seu perispírito, liga-se ao organismo, à semelhança de uma planta enraizando-se na terra. (Id., ibid.)
1.4 — Nexos Causais
Focalizando dois temas algo palpitantes: vícios e genética, talvez possamos expor de uma forma mais ilustrada os nexos causais que impregnam o pensamento reencarnacionista espírita.
1.4.1 — Vícios
O homem, como já vimos, não é apenas um ser biológico e social, mas fundamentalmente um ser moral e espiritual, um conjunto de fatores combinados e intimamente relacionados.
Todos os movimentos psíquicos, ou seja, da alma ou espírito, que é um foco imortal de inteligência e consciência, ficam dinamicamente “registrados” no seu perispírito.
Podemos dizer que os vícios, do mesmo jeito que as paixões, resultam do “excesso de que se acresceu a vontade” (KARDEC, O Livro dos Espíritos, 907), ou seja, que são eles o produto de uma vontade desregrada pela indisciplina, quer nesta, quer noutras vidas.
A única coisa capaz de comprometer o perispírito é a vontade mal dirigida, a vontade mobilizada pela alma em desrespeito às leis morais que regulam a natureza espiritual da vida. Disfunções no corpo perispirítico são os resultados disso.
Preexistimos, com nosso corpo espiritual, à fecundação do óvulo. Durante todo o processo embriogenético e a própria vida extra-uterina, esse nosso corpo perispirítico constrói o corpo físico em que reencarnamos. Se o perispírito apresenta anomalias, resultantes de vícios cultivados no passado recente ou remoto, mais cedo ou mais tarde elas se manifestarão. Trata-se do princípio psicossomático.
Os vícios, em seus aspectos físicos e morais, são causa de disfunções do perispírito; constituem verdadeiros atentados contra a lei de conservação do organismo terrestre, exposta na Parte terceira de O Livro dos Espíritos, em seu Capítulo V.
O corpo de carne é um instrumento de evolução do espírito; merece, portanto, para o bem do próprio corpo fluídico que o vivifica, o respeito de uma vida regrada, seja física, seja moralmente.
Dizemos isso porque os espíritos, somente por desencarnarem, não se livram dos vícios, das paixões que na Terra cultivaram. Segundo Léon Denis [1846-1927]: “As necessidades procedem do corpo e com ele se extinguem. Os desejos e as paixões são do espírito e o acompanham”. (No invisível, cap. XIX, p. 258.)
Os desejos e as paixões mais não são do que elaborações psíquicas construídas a partir da exposição do espírito às necessidades corporais. As necessidades são do corpo, com ele terminam. Porém, as elaborações psíquicas que resultam da exposição do espírito às necessidades corporais — elaborações que constituem os desejos, e, num nível deletério, as paixões — são da alma, permanecem, sobrevivem à morte biológica.
Não devemos, por isso, acrescer de excessos a vontade que mobilizamos na satisfação de nossas necessidades e desejos. Essa vontade, porque acrescida de excessos, mobilizada em demasia, transforma-se numa paixão, escraviza-nos à matéria pelas teias do vício, e faz-nos, enfim, padecer enfermidades. Estas últimas, na sabedoria infinita de Deus, provocam um aprendizado que nos reabilitará — espíritos que somos — perante a harmonia das leis cósmicas, que funcionam numa sincronia infalível, de absoluta integração entre o físico e o moral.
“Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual. Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota predominância do espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição.” (KARDEC, O Livro dos Espíritos, 908.)
O consumo de drogas, permitidas ou proibidas, e os hábitos sexuais ou alimentares desregrados podem ser comparados a golpes de vibrações inferiores da alma sobre o seu próprio perispírito. Essas vibrações expressam atitudes mentais enfermiças. Pela mediunidade de Francisco Cândido Xavier, o espírito André Luiz assegurou que elas criam bacilos psíquicos, corpúsculos negros semelhantes a larvas, verdadeiras feras microscópicas, que comprometem os centros da vitalidade orgânico-espiritual, sendo causa de várias patologias. (No Mundo Maior, cap. XIV, p. 196. Os Mensageiros, cap. 40, p. 211. Missionários da Luz, caps. 3 e 4.)
Entretanto, pode-se não cultivar estes vícios sobre os quais tradicionalmente incide a censura social, ou seja, pode-se não beber, não fumar, não falar palavrões, etc., e mesmo assim se ter um perispírito degradado, por exemplo, pela inveja, pelo ciúme, pela cólera, pelo rancor, pelo sensualismo, pela gula; enfim, pelos desequilíbrios socialmente invisíveis, mas vibratoriamente indisfarçáveis.
Toda atitude mental negativa compromete não só o perispírito que a expressa como os ambientes em que esse corpo espiritual vibra. Como já vimos, o perispírito está “encaixado” no corpo material, mas, sendo fluídico (energético), manifesta-se em volta da carne, donde influencia as ambiências externas. Compreende-se, desse modo, outro fato relatado pelo espírito André Luiz, o das aglutinações de matéria mental inferior, expelida por certa classe de pessoas. Essas aglutinações flutuam em grupos compactos pelas vias públicas, sendo, por vezes, atraídas pelos transeuntes em obediência à lei das afinidades. (Os Mensageiros, cap. 40, pp. 210-11.)
André Luiz conta-nos também um triste caso de obsessão espiritual gerada pelo alcoolismo. Quatro entidades embrutecidas se revezavam na absorção das emanações alcoólicas do aparelho digestivo de uma pessoa completamente embriagada... O quadro era tão estarrecedor que André Luiz afirma não saber se estava diante de uma pessoa embriagada ou de uma “taça viva”, cujo conteúdo era sorvido por “gênios satânicos”. (No Mundo Maior, cap. XIV, p. 196.)
O mesmo ocorre, mais ou menos gravemente, no que diz respeito a outros vícios. Ninguém os cultiva sozinho! Também por isso disse Jesus: “Vigiai e orai”. (Mateus 26:41.)
1.4.2 — Genética
Todas as coisas estão interligadas. Nada é por acaso. Mesmo a constituição genética, a tão evocada hereditariedade, relaciona-se ao histórico espiritual de cada um, quer em seus aspectos positivos, quer negativos.
A reencarnação é um movimento morfogenético. O perispírito constitui fator decisivo de influência sobre os fenômenos embriológicos e vitais. Se um espírito, no seu perispírito, traz as resultantes dessas ou daquelas vicissitudes cultivadas em suas encarnações pretéritas, pode acontecer que se veja constrangido a manifestá-las mediante estruturas biológicas comprometidas. Muitas vezes, isso é necessário para depurar o corpo perispirítico e tornar mais consciente o ser imortal.
O próprio espírito é quem arregimenta as possibilidades genéticas oferecidas pelos gametas de seus pais, possibilidades que, evidentemente, estão relacionadas à sua condição perispirítica, na qual figuram dinamicamente “inscritos” os seus “registros” causais.
O espírito recebe dos pais terrenos o material genético; porém, ele é quem discrimina, combina e influencia a estrutura íntima desse material. A reencarnação obedece, portanto, a princípios de compatibilidade, de afinidade.
Sob eventual influência de espíritos-guias, o reencarnante, por meio do perispírito, exerce uma espécie de ação discriminatória dos genes paternos e maternos, para que sejam estes, conforme seus imperativos cármicos, os adequados instrumentos de sua manifestação corpórea na Terra.
O fato é que nós, espíritos, interagindo com o meio ambiente, também concorremos para as mutações genéticas que ocasionam a evolução biológica. O acaso não existe! Isto se dá pelas múltiplas reencarnações, nas particularidades da interatividade entre a energia (perispírito) e a matéria (corpo físico). Assim, construímos as estruturas cromossômicas mediante as quais nos temos manifestado, sempre recebendo da vida exatamente o que a ela demos.
O passado espiritual determina, portanto, a parte da obra multimilenar da evolução biológica que cabe a cada ser humano reencarnante na Terra. Se lhe é outorgada a saúde ou a doença, a capacidade ou a incapacidade, vale uma vez mais o princípio cristão que estabelece: “A cada um, segundo suas obras”.
Em espiritismo, a hereditariedade está, como se vê, no campo dos efeitos e não no das causas. O perispírito é o modelo da organização biológica; a fôrma, por assim dizer, das formas corpóreas; um fator decisivo para a futura vitalidade física do reencarnante.
Podemos dizer sem medo que, do ponto de vista genético, o perispírito estabelece afinidade com os tipos de cromossomos e genes que a maneira de viver do espírito construiu e constrói no processo da sua contínua evolução, sempre em dois mundos: físico e extrafísico.
“(...) em virtude de cada espírito representar um universo por si, cada um de nós é responsável pela emissão das forças que lançamos em circulação nas correntes da vida. A cólera, o desespero, o ódio e o vício oferecem campo a perigosos germens psíquicos na esfera da alma. (...) Cumpre reconhecer que nós mesmos, em todo o curso das experiências terrestres, na maioria das ocasiões, fomos campeões do endurecimento e da perversidade contra as nossas próprias forças vitais. Entre abusos do sexo e da alimentação, desde os anos mais tenros, nada mais fazíamos que desenvolver as tendências inferiores, cristalizando hábitos malignos. Seria, pois, de admirar tantas moléstias do corpo e degenerescências psíquicas?” (ANDRÉ LUIZ (espírito). Missionários da Luz, cap. 4, pp. 38-39. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.)
Vemos assim que as doenças, sobretudo em seus aspectos expiatórios, têm por causas primeiras a cólera, o desespero, o ódio e o vício. O espiritismo, então, como nenhuma outra doutrina, demonstra que correlatas às leis físicas existem leis morais, um perfeito intercâmbio entre o conhecimento exato e a ação justa; a ciência e a consciência; a razão e a fé.
Por Sergio F. Aleixo
FONTE: http://www.espiritualidades.com.br
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