Inconveniência de Palavras

Por que Educação e não Evangelização?

Existem, no movimento espírita, determinadas expressões ou simbologias que caracterizam o modus procedendi, a filosofia ou o caráter do trabalho desenvolvido. Nomes como “Terapêutica do Passe”, “Reforma Íntima”, “Fluidoterapia”, “Desenvolvimento Mediúnico”, e, no caso específico do mote deste artigo, “Educação Espírita” e “Evangelização Espírita”, acabam sendo largamente utilizados e, mais do que simples nomenclatura ou terminologia, definem e estabelecem parâmetros de atuação que são correntes, capazes de influenciar pessoas, gerações e instituições espíritas.

Evangelização Jesuíta
Devemos, inicialmente, repisar que o termo “Evangelização” não é um neologismo espírita. Cite-se como exemplo basilar que os jesuítas, presentes nas expedições colonizadoras dos séculos de expansão material das nações europeias, tinham como função precípua a catequização dos indígenas, convertendo-os e ensinando-lhes conforme as diretrizes evangélicas da religião dominante, o catolicismo.

Guardadas as devidas proporções, a partir de 1979, a Federação Espírita Brasileira instituiu um marco na história do movimento espírita brasileiro, com extensão a outros países das Américas, cunhando a Campanha Permanente de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil, com base em extenso e diversificado programa de atendimento a crianças e jovens que viessem (com seus pais ou, até, por vontade própria) a frequentar centros espíritas. Estava lançada a base de trabalho com tal público, fundado, essencialmente, sobre máximas evangélicas, feitos e realizações de Jesus de Nazaré, conforme textos contidos em O evangelho segundo o espiritismo, principalmente, com remissões a outras referências kardecianas e a obras de teor evangélico publicadas por aquela importante federação. A estrutura do trabalho, em grande parte, assimilava-se às aulas de catecismo, presentes nas religiões derivadas do cristianismo, sobretudo aquelas desenvolvidas por igrejas católicas, protestantes e luteranas. Comum, assim, as reuniões em domingos pela manhã, para a “doutrinação” de crianças e jovens.

Se ousássemos comparar esse fenômeno com a fábula do “quem veio primeiro, a galinha ou o ovo”, chegaríamos, facilmente, à constatação de que a nomenclatura mais adequada para o trabalho pedagógico espírita seria “Educação Espírita” e não “Evangelização”.

Afinal de contas, por intermédio de grandes vultos do Espiritismo brasileiro (Vinícius, Anália Franco e Herculano Pires), havia uma preocupação pedagógica fundamental: o tríplice caráter da Doutrina Espírita (ciência, filosofia e moral). Mesmo com supedâneo em textos com mensagens ou citações evangélicas, a proposta de abordagem temática espírita nunca deveria privilegiar um dos tópicos acima (no caso, o moral, travestido em religioso, segundo a orientação dominante, impulsionada pela FEB), mas, do contrário, deveria permitir a abrangência de estudo e significação, que só uma apreciação completa e ampla pode permitir.

Exemplificando: o colóquio de Jesus com Nicodemos, apontando-lhe a necessidade de nascer de novo, na ótica espírita, importaria:
1) filosoficamente, o princípio básico da reencarnação (tantas oportunidades quantas sejam necessárias);
2) cientificamente, a demonstração de que a memória humana pode, em dadas circunstâncias, apresentar evidências de outras experiências anteriores; 
3) moralmente, representa a possibilidade de evolução a partir das sucessivas vidas.

Finalmente, é preciso salientar que a proposta “evangelizadora” acaba tendendo para o proselitismo (religioso), calcado na ideia de “única verdade” (ou mais próxima da Verdade absoluta, divina), quase sempre ufanoso, de vez que considera o Espiritismo como superior às outras filosofias existentes.

A Educação Espírita, do contrário, é altamente libertadora, porque deixa a cargo do educando a possibilidade de aceitar aquilo que a sua razão advoga, sem exigências, sem imposições de qualquer jaez. Uma proposta “livre-pensadora” que parte da realidade individual de cada ser, que constrói, aos poucos, sua trajetória de conhecimento. Se Jesus, antes, já havia predito que o conhecimento libertaria, nós espíritas precisamos investir na completude deste conhecimento (filosófico, científico e moral), promovendo uma educação igualmente libertadora, sem imposição de crença ou de filosofia, nem, tampouco, limitação de abordagem (para, no caso, apenas o campo moral-religioso).

Por Marcelo Henrique Pereira

Secretário para a Promoção da Juventude da CEPA.
Fonte: //espiritnet.com.br

2 comentários:

  1. É na mesma linha que Herculano, no texto "Falta de foprmação doutrinária" diz: É preciso que se prom,oiva, urgentemente o MOBRAL ESPÍRITA".
    Moura

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    1. Agradeço sua participação e concordo plenamente com sua citação Moura. Herculano Pires já naquela época notava a urgência de MOBRAL ESPÍRITA*, mas que infelizmente o Movimento Espírita não levou e continua não levando a serio.

      *Para os mais jovens que não conhecem o termo MOBRAL, seria atualmente comparado com o EJA na educação.

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