O Livro dos Espíritos, 1957


Mesmo título, obras distintas.


Este Primeiro LIVRO DOS ESPÍRITOS, publicado em Paris no dia 18 de Abril de 1857, difere tanto do Segundo, editado na mesma cidade em 18 de Março de 1860, que ALLAN KARDEC se julgou no dever de advertir o Leitor da seguinte maneira:


AVISO sobre esta nova edição.


Na primeira edição deste trabalho, anunciamos uma parte suplementar. Ela devia compor-se de todas as questões que não couberam nele, ou que circunstâncias ulteriores e novos estudos fizessem nascer. Como, porém são todas relativas a qualquer das partes tratadas, das quais é desdobramento, sua publicação isolada não apresentaria nenhuma sequência. Preferimos esperar a reimpressão do LIVRO para fundir tudo juntamente, e aproveitamos o ensejo para introduzir na distribuição das matérias outra ordem muito mais metódica, ao mesmo tempo em que decepamos tudo quanto importava em lição dúplice. Esta reimpressão pode, pois ser considerada como trabalho novo, embora os princípios não hajam sofrido nenhuma alteração, salvo pequeníssimo número de exceções, que são antes complementos e esclarecimentos que verdadeiras modificações.


É o próprio Mestre quem afirma, com lealdade costumeira, que a


...reimpressão pode, pois ser considerada como trabalho novo.


A meu ver, deve.


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Na primeira edição, o papel dos Espíritos foi de amplitude e importância quase absolutas. A psicografia, na maior parte, realizou-se pela Corbelha Tupia.

ALLAN KARDEC estava nessa época em sua ‘primeira iniciação no Espiritismo’. Ainda era aprendiz da nova ciência. Aluno atento e diligente trazia às aulas suas perguntas devidamente preparadas, partindo das mais vagas e dogmáticas para as mais sérias e lógicas. Escrevia, em seu apartamento, cada questionário numa folha de papel, ao pé da qual, na casa de BAUDIN, a Corbelha se colocava.

No início dos trabalhos, em Agosto de 1855, o médium principal, Caroline BAUDIN, tinha dezesseis anos. Sua irmã Julie, quatorze.

E essa iniciação na Doutrina Espírita levou quinze meses a fio, até Janeiro de 1857, sem interrupção nem férias de verão.


Na segunda edição, mundialmente conhecida, que se tornou definitiva, o caso é diferente.

O papel do Homem sobreleva ao dos Espíritos. Os Instrutores ficam em segundo plano, como simples testemunhas informantes ou de ciências própria perante juiz severo e lúcido. Múltiplas são as fontes de ensinamento.

Não houve mais, para a parte acrescida, direta e ostensiva revisão e corrigenda dos Guias.

Alguns temas, versados na primeira, foram suprimidos.

Prevaleceu em tudo, na forma e no fundo, apenas o julgamento reto do Homem.


O Discípulo torna-se Mestre.
Nivela-se o Aprendiz com os Instrutores. Julga. Critica. Distingue. Seleciona. Atende somente a seu critério, confia só em seu discernimento. Inspira-se apenas do Espírito VERDADE, diretamente, e que nunca o abandonou.

E perante a fina flor intelectual e científica dos Pioneiros, quer na Sociedade Pariense dos Estudos Espíritas, quer na Revue Spirite, pode, sem jactância, mas como chefe, afirmar:


DEUS nos deu julgamento e bom senso para nos servirmos deles. Os Espíritos Superiores são os primeiros a recomendar-nos sempre o procedimento judicatório, e nos dão com isso prova de sua superioridade. Longe de se formalizarem com a crítica, pedem-na incessantemente. Só Espíritos Inferiores pretendem impor autoridade e fazer aceitar sem exame tudo quanto dizem – e dizem não raro verdadeiras utopias – como se a qualidade de Espírito conferisse méritos que não possuem ou fosse bastante para se fazerem acreditar sob palavra. É que eles sabem muito bem que tudo têm a perder quando suas palavras são submetidas a exame. (...) Os francamente inferiores são facilmente reconhecíveis; há, porém entre eles também sabichões, pseudo-sábios, presunçosos, sistemáticos e até hipócritas; esses são os mais perigosos, pois afetam aparência de gravidade, de sabedoria e ciência, debaixo da qual lançam de permeio com algumas verdades ou algumas boas máximas, as coisas mais absurdas; e, para melhor mistificar, não hesitam em se apresentar com títulos respeitáveis. Separar o verdadeiro do falso, descobrir a embustice oculta sob um aparato de frases empoladas, desmascararem impostores, eis, sem contradita, uma das maiores dificuldades da Ciência Espírita. Para superá-la é necessária longa experiência, conhecer todas as velhacarias de que são capazes os Espíritos de baixa classe, ter muita prudência, ver as coisas com o mais imperturbável sangue-frio, e resguardar-se principalmente do entusiasmo que cega. Com o exercício e um pouco de tacto a gente chega sem dificuldade a ver por detrás da máscara a ponta da orelha, ainda mesmo sob a ênfase da mais pretensiosa linguagem.


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Na primeira edição, está a Doutrina Espírita segundo Espíritos Superiores, liderada pelo Espírito VERDADE, dada através de três médiuns ingênuos que dirigiam inconscientemente um aparelho mecânico primitivo sob as vistas do Autor.


Na reimpressão de 1860, acha-se a Filosofia Espírita segundo ALLAN KARDEC, baseada em parte na Doutrina Espírita da primeira edição e em parte no ensinamento de outros Espíritos, através de vários médiuns.


Na edição primitiva, temos o ensinamento espírita direto, imediato, genuíno, espontâneo, puro de origem e vivo como água de rocha, inteiramente novo ou renovado para a época, dado por Espíritos Prepostos através de médiuns inconscientes. Este ensinamento era providencial e visava a


...estabelecer os fundamentos da verdadeira Doutrina Espírita, imune de erros e prejuízos.


Na edição definitiva, vê-se o ensinamento espírita indireto, mediato, assimilado, meditado, depurado e cristalizado, sem o sabor da novidade, procedente de fontes diversas, através de diferentes médiuns. Esse ensinamento foi colhido, estudado, retocado e coordenado pelo Homem e visava a


...estabelecer os fundamentos de uma filosofia racionalista isenta dos prejuízos do espírito de rotina.


Basta o confronto dos frontispícios para ter uma ideia exata da diferença:


Na primeira edição, o LIVRO foi


Escrito e publicado conforme o ditado e a ordem de Espíritos Superiores.


Na segunda, o LIVRO contém


Os princípios da Doutrina Espírita (...), segundo o ensinamento dado pelos Espíritos Superiores por intermédio de diversos médiuns, recolhidos e postos em ordem por ALLAN KARDEC. (...) Segunda edição, inteiramente refundida e consideravelmente aumentada.


         Comparem-se, igualmente, os dois índices.


A edição original continha 501 questões principais e várias acessórias. As edições sucessivas contêm 1018 perguntas numeradas e múltiplas aditivas, além de comentários e notas privativas do Mestre.

        

Finalmente, a edição de 1857 foi totalmente revista, corrigida e homologada por Espíritos incumbidos por DEUS de instituir “a verdadeira religião, a Religião Natural, aquela que emana do coração e sobe diretamente a DEUS”. As demais, a partir de 1860, em mais da metade de seu texto, aprovadas tão somente pelo Missionário que fundou a Filosofia Espírita.


CANUTO ABREU

Fazenda Vila Branca, Natal de 1956.

Referência: O Primeiro Livro dos Espíritos, Texto Bilíngue. 1957.

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