E CARLÓTTI prosseguiu:
– A crença na manifestação dos Espíritos pela ‘Mesa’ não me veio, como supõe RIVAIL, da teoria animista. Veio-me com o sonambulismo místico da Escola Espiritualista, exatamente como aconteceu com o Professor. Até meados de 1850 eu era, de fato, adepto sincero da Escola Animista. E tinha ojeriza não só pelos Naturistas, um tanto petulantes em sua meia-ciência – perdoe-me o Professor RIVAIL para quem abro exceção – mas, sobretudo, pelos Espiritualistas, que viam na ação magnética uma destas duas coisas em que eu não acreditava: Ou os dedos sedosos de São Miguel e de seus Anjos, ou as garras aduncas de Satan e de seus Demônios.
Naquele ano de 1850, conversando um dia com o sr. ROUSTAN, na ‘Sociedade Magnetológica’, de que eu fazia parte e onde ele, de graça, distribuia, diariamente, passes magnéticos de cura aos doentes que buscavam a terapêutica magnética, esse bom companheiro, até então Animista como eu, me advertiu de que, a seu novo modo de ver, os Espiritualistas se achavam mais próximos da ‘realidade magnética’ do que os Animistas.
Levou-me, pouco depois, a uma casa da Rue Tiquetonne, em cujos fundos havia modesta oficina de camiseiro. Um homem de pequena estatura, franzino, de avental azul e gorro de veludo preto, sem abandonar a mesa onde trabalhava, de pé, no corte duma camisa, recebeu-nos com estas palavras:
– “Entrem, Irmãos”. Era o sr. Louis Alphonse CAHAGNET, o Magnetista discutido que, havia pouco, publicara seu impressionante livro ‘Arcanos da Vida Futura Desvendados’. Dele, já me haviam falado muito nas rodas magnéticas. Mas malevolamente. Achava-me pois, diante do homem que, em plena metade do Século XIX, opunha suas experiências magnéticas ao Positivismo, ao Naturismo, ao Animismo, sustentando que as Almas dos Defundos podiam comunicar-se com os homens, por intermédio das sonâmbulas.
Após as apresentações de praxe, o sr. ROUSTAN explicou sucintamente o porque viemos, e o sr. CAHAGNET alegou: que dispunha de raras horas, para o serviço magnético e estavam tomadas, as mais próximas, por outras entrevistas, já marcadas. Fixou-me, por isso, uma sessão, para daí a três dias. Não querendo esperar tão longo tempo – e vocês sabem como os mistérios do Além me empolgam – apeguei-me à boa vontade de ROUSTAN. Caminhando pela calçada ímpar, ele me disse:
– “Nesta mesma rua temos outra sonâmbula, tão boa quanto a de CAHAGNET. Vamos até lá.” E levou-me à casa do sr. JAPHET. Tive então a alegria e a honra de conhecer a Senhorita Ruth Celine. Pálida, magrinha, meiga, sorridente, com seus olhos grandes, de pupilas negras e dominadoras, a gentil Menina deu-me a primeira impressão de ser uma criança sofredora. A sessão realizou-se de pronto, caindo em transe sonambúlico, sob os passes de ROUSTAN, a menima JAPHET denunciou o comparecimento, junto de nós, de várias entidades invisíveis e para mim inteiramente desconhecidas. Até que a sonâmbula informou achar-se, a meu lado, certa mulher, cujos traços fisionômicos e porte corpóreo me foi descrevendo, pormenorizadamente, com acentuados característicos de minha tia Ninette, falecida há mais de trinta anos. A descrição física da Morta e suas palavras eram, de tal modo, identificantes, que a recordação de fatos de minha vida de moço, completamente esquecidos, foi um excesso de prova apresentado por minha tia. Sem a menor discussão ou reserva, passei, comovido e sincero, da Escola Animista à Espiritualista. Quando, na semana seguinte, em casa do sr. GAHAGNET, a sua estática, a meu pedido, invocou tia Ninette, eu já era um ‘velho’ e profundo adepto do Espiritualismo Sonambúlico e perfeito ‘Irmão’ de CAHAGNET. A descrição de minha parenta, renovada em detalhes, por Adèle MAGINOT – a estimada sonâmbula de Monsieur CAHAGNET – conferiu exatamente, com a esboçada pela Menina Ruth. Apenas se acresceu dum informe importante: A natureza da enfermidade que vitimara minha tia. Eu ignorava o pormenor da moléstia e só três meses depois, nas férias em Nice, falando a respeito com meu primo, filho dela, soube ser exato o detalhe mórbido.
– Você foi um Pioneiro, aparteou RIVAIL.
– Segui, apagadamente, a esteira desbravadora de CAHAGNET e ROUSTAN.
– Vou contar-lhe, agora, o incidente providencial em que tomei parte com RIVAIL. O Professor falhou-nos, há pouco, haver-se encontrado comigo em janeiro de 1855. Desta data até a véspera de Santo Antônio, no ano passado, eu o havia perdido de vista. Na noite antonina, em casa festejada tradicionalmente, por ser meu aniversário, reapareceu-me ele de surpresa e sozinho. Após os cumprimentos perguntou-me se eu praticava em família o ‘Spiritualisme’ americano. Respondi-lhe afirmativamente, imaginando haver soado, talvez, a hora dele. Indagou-me se eu tinha médium de confiança. Falei-lhe da minha filha Aline que, nesse momento, fazia sortes com algumas amiguinhas. Consultou-me sobre a possibilidade duma rápida sessão para assunto importante e pessoal. Eu ignorava, completamente, o que, em matéria de crença magnética, se passara com ele no período decorrido desde aquele dia dos Reis Magos de 1855. Mas agora, esta convicto de que já lhe havia soado a hora de conhecer a verdade sobre os Mortos, hora que soará, mais cedo ou mais tarde, para todos os Magnetistas. Chamei prontamente a mulher e a filha e reunimo-nos em meu escritório, de portas fechadas, depois duma explicação leal aos amigos presentes. Aline preparou o lápis e o papel sobre a minha escrivaninha enquanto nos assentamos a seu lado. RIVAIL falou-lhe da conveniência de usar a pena e a tinta por ser mais legível a escrita e nos convidou a abrir a sessão com uma prece. Não era este o costume nosso e vindo-nos a proposta, dum Naturista convicto, dava para a gente cair das nuvens. RIVAIL orou de pé, dizendo:
– “Em nome de Deus Todo-Poderoso evoco o Espírito VERDADE. SENHOR, concede-nos esta graça”. Do ‘Espírito VERDADE’, nem eu, nem minha família, jamais ouvíramos falar senão no Evangelho. Mais espantado fiquei, quando Aline, em vez de ‘escrever’ como de seu hábito mediúnico, desprezou a caneta já empunhada e entrou, suavemente, em crise sonambúlica pela primeira vez, falando-nos:
– “Que desejam Vocês de mim, filhos meus?”. O Professor respondeu:
– “Meu caro Guia: Desejo saber, por este médium estranho a nossas sessões costumeiras, que pensa Você da suposta ‘missão’ a mim atribuída por alguns Espíritos. Não tenho motivos sérios para crer, nem deixar de crer, nessa revelação. Não quero, porém, ser indiferente a uma eventual advertência do Alto para meu estímulo, nem ludibriado por uma impostura. Quero, ao contrário, tomar a sério todas as tarefas a mim confiadas, se procedentes. Por isso vim apelar para Você, esperando me fale com a hatitual franqueza”.
CARLÓTTI, fixando RIVAIL, que o escutava atento e grave, perguntou-lhe:
– Não se recorda do fato, Professor?
– Perfeitamente. Penso porém, que esse incidente íntimo devia permanecer em quarentena, por longo tempo. Não o acha?
– Agora é tarde, caro Amigo. Já puxei a corda e o pano desliza. Esta sala está cheia de gentis espectadores que não me perdoariam interromper a ‘indiscrição’.
– Sem dúvida! – concedeu RIVAIL.
– Pois meus Amigos continuemos: O Espírito respondeu:
– “Confirmo o que lhe dissera, mas, para ser bem sucedido no empreendimento, Você deve ser discreto”.
– Como vê, aparteou RIVAIL, a discrição não é exigência minha.
– Nem culpa sua, caro Professor. Mas, já está rompida. O dado está lançado. Azar meu! Permita-me prosseguir e arcar, sozinho, com a responsabilidade de minha indiscrição. Meus Amigos, à medida, porém, que se desenrolava, a estranha mensagem da Entidade que mostrava à RIVAIL todos os percalços dum empreendimento reformador de crenças vestutas e arraigadas. Infelizmente, caros Amigos, não me é possível reproduzi-la de cor. Dou-lhes dela apenas a essência, guardada indelevelmente. O Espírito VERDADE anunciou estar chegada a hora da Reforma Religiosa, para a qual se fazia necessário somente o homem. Se o primeiro chamado falisse, outro o substituiria, porque o Desígnio da Providência jamais ficaria a mercê do livre arbítrio humano. E terminou com estas palavras inesquecíveis:
– “A missão que lhe foi apontada não lhe é ‘obrigatória’, mas ‘subordinada’ a condições que não dependem dos Espíritos, mas somente, do homem chamado. Estaria Você disposto a aceitá-la com todos os percalços da Perseguição?”.
O Professor replicou, prontamente:
– “Aceito o encargo da Providência sem restrições nem reservas”.
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