Por onde andam as pesquisas científicas sobre fenômenos paranormais?

O imaginável existe, somente para pouco!

Substituir o exame pelo menosprezo é cômodo,
mas pouco científico. O dever elementar da ciência é
verificar todos os fenômenos, pois a ciência, se os ignora,
não tem o direito de rir deles.
(Victor Hugo)


Essa era a solicitação que fazia Victor Hugo, autor de O corcunda de Notre-Dame, para que os fenômenos mediúnicos fossem pesquisados naquele começo de século XIX, conta Marcel Souto Maior em seu livro Kardec – A Biografia. Os céticos atribuíam o interesse do escritor pela comunicação com os mortos à perda trágica de sua filha num naufrágio, o que é possivelmente verdadeiro, mas também o é o apelo desse gênio da literatura à objetividade e à honestidade científicas.

As pesquisas sobre fenômenos mediúnicos começaram no século XIX. Kardec, como pioneiro, criou um método específico para essas investigações. Depois, sucederam-no Lombroso, Aksakov, Geley, Crookes, Bozzano, entre outros. Nas décadas de 50 e 60, Herculano Pires alardeava as pesquisas sobre fenômenos paranormais por detrás da cortina de ferro (ex-URSS).

O diferencial do Espiritismo seria justamente, afirma Kardec, a compreensão da dimensão espiritual da realidade como algo que poderia ser constatado empiricamente através dos fenômenos mediúnicos, não somente um pressuposto filosófico, como nas religiões tradicionais. Lembro-me, aliás, do professor Alessandro Cesar Bigheto explicando, em uma das aulas de pós-graduação em Pedagogia Espírita, que ele, fazendo parte de um famoso grupo de marxistas da UNICAMP, para reforçar seu direito de adotar pressupostos espiritualistas, escreveu um ensaio para seus colegas e professores de mestrado, observando que, em Feuerbach e Engels, o materialismo também aparecia como um…pressuposto filosófico.

Dora Incontri argumenta que esse mesmo pressuposto filosófico materialista é um aspecto principal do paradigma científico vigente, usando um conceito de referência ao filósofo da ciência Thomas Khun. O que significa que, enquanto paradigma científico, o materialismo nas ciências é formado também por interesses de manutenção política e institucional. Apesar de profundamente diferentes, também autores como Foucault, na filosofia, e Roger Chartier, na historiografia, corroboram a tese tão conhecida nas ciências humanas de que aquilo que se pesquisa está relacionado a um arranjo específico, político, econômico e institucional. É por isso que, embora não tenhamos abandonado a busca da objetividade nas ciências humanas, negamos a possibilidade de uma completa neutralidade na produção científica.

Nesse sentido, lamentamos que o paradigma materialista tenha prejudicado a pesquisa de fenômenos paranormais. Veja-se o caso de Ian Stevenson, responsável pelo departamento de psiquiatria da Universidade da Virgínia (EUA) na década de 1960, que estudou os casos de crianças do mundo todo que alegavam terem recordações de vidas passadas. Roberto Colombo, professor na ABPE que esteve pessoalmente com Jim B. Tucker (continuador da pesquisa de Stevenson, que veio ao Brasil em 2010 para o 1º Congresso Internacional de Educação e Espiritualidade, organizado pela ABPE), narra que as pesquisas de Stevenson, por usarem a hipótese da reencarnação, enfrentaram grande oposição na Universidade da Virgínia, e somente porque esta mesma Universidade recebeu uma vultosa doação monetária de um simpatizante do pesquisador, esse nicho de investigação foi mantido. Isso significa que a pesquisa de Stevenson era charlatã e a Universidade se vendeu por dinheiro? Não podemos falar sobre a instituição, mas lembramos que o famoso cientista e eloquente defensor do ceticismo, Carl Sagan, disse o seguinte: “Há três questões no campo [da parapsicologia] que, em minha opinião, merecem sérios estudos”, sendo o terceiro, o fato de

“que crianças às vezes relatam detalhes de vidas passadas, que, depois de verificados, são constatados exatos e são casos dos quais elas não poderiam ter tido conhecimento de nenhuma outra maneira senão pela reencarnação (SAGAN,1996, citado por TUCKER, 2010).

Ian Stevenson pesquisou mais de 2500 casos ao redor do mundo, em todos os continentes, exceto a Antártica. Foram encontrados casos em todos os lugares visitados por sua equipe. O pesquisador faleceu em 2007, mas outros, felizmente, nesse caso, estão dando continuidade a seus estudos, entre eles, o próprio Jim Tucker. Nenhum dos dois, destacamos, sequer conhecia o espiritismo. A ABPE tem sido, nos parece, uma das poucas instituições espíritas preocupadas em popularizar essa produção científica, tendo traduzido e publicado artigos de Stevenson e Tucker em 2010.

Somos contra a canonização da ciência, mas a favor do método científico. Porque, por um lado, o materialismo científico nunca deixou de ser ideologicamente viesado e economicamente condicionado, chegando a conclusões falsas. Veja-se a epidemia de ritalina de nossos tempos, vejam-se as conclusões escabrosas da psicologia racista e burguesa dos séculos XIX e XX. Por outro lado, é certo que estudos baseados no paradigma de pesquisa “materialismo histórico dialético” trouxeram uma contribuição extremamente importante às ciências humanas, desmontando explicações místicas da realidade e desvendando as condições de opressão e negação que criam a miséria da educação, da saúde, da cultura, da psicologia, a miséria humana, enfim, em que vivemos. Mas onde estão as pesquisas empíricas sobre fenômenos paranormais, que testariam as evidências de que a única realidade existente é a material? Em nosso grupo mediúnico da ABPE, muitas vezes discutimos e ressaltamos que as pesquisas feitas no século XIX, época de Kardec, ou na década de 60, na URSS ou nos EUA, se não são conhecidas, criticadas, avaliadas, e continuadas com melhoria do método, perdem seu valor…

Dentro desse quadro, e contra o complexo de vira-lata dos brasileiros, destacamos o esforço que tem sido feito por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas em Saúde e Espiritualidade (NUPES), da Universidade Federal de Juiz de Fora, sobre essa área de pesquisa, que não era negligenciada por um William James, por exemplo. Já foi divulgada por esse núcleo uma pesquisa de “escaneamento” (usando um termo aproximado) do cérebro de médiuns durante o transe mediúnico, em uma parceria entre pesquisadores da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal de Juiz de Fora, da Universidade Federal de Goiás e da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. Denise Paraná, colaboradora da pesquisa, escreveu mais detalhadamente sobre isso na Revista Época. Posteriormente, resultados desse estudo foram publicados na relevante revista científica Plos One.

Outra pesquisa já divulgada pelo NUPES trata da avaliação de informações produzidas por uma série de cartas psicografadas por Chico Xavier. Os métodos e o resultado da pesquisa são descritos neste vídeo de divulgação científica e foram publicados em 2014 na revista EXPLORE – The Journal of Science and healing. Após analisar uma pequena série de cartas cuja autoria foi atribuída por Chico Xavier ao falecido Jair Presente, usando escalas de concordância e escalas de vazamento de informações, os resultados são de 97% concordância clara e precisa de informações, sem que os pesquisadores pudessem encontrar fontes convencionais para as mesmas, sendo a sugestionabilidade e a fraude analisadas como improváveis. Como em toda boa pesquisa, os pesquisadores do NUPES têm o cuidado de descrever as limitações de seu método e suas perspectivas futuras de aprimoramento do mesmo.

São achados interessantes sobre fenômenos paranormais. Nós, espíritas, devemos ser gratos a esses pesquisadores pela produção científica acerca desses fenômenos e sua pesquisa ao longo da História (para os curiosos, não faltam artigos disponíveis, basta pesquisar no Google Acadêmico). Porque, se nossa convicção e nossas práticas espíritas baseiam-se em observação pessoal, percepção interior, reflexão e, por que não, dúvida e fé, o princípio de Kardec sempre foi o de diálogo rigoroso com a cultura de nosso tempo.

Por Litza Amorim

FONTE:

Nenhum comentário:

Postar um comentário