O suicídio de Allan Kardec

Tudo está nos conformes de Deus 

É preciso propagar a moral e a verdade.
(MUMS)
Os incapazes de atacar um pensamento atacam o pensador.
 (Paul Valery)

Introdução
Caro leitor, não estranhe o título desse texto, mas realmente “suicidaram” Allan Kardec. Os fundamentalistas, por falta de argumentos que venham a derrubar as bases da Doutrina Espírita, passam a alardear, aos quatro ventos, que Kardec teria se suicidado. Recentemente recebemos um e-mail, que de tão engraçado não houve como nos conter, e só com muito esforço conseguimos parar de rir, pois nele um evangélico, literalmente, disse:



“Se suicidou (A.Kardec) de tão obsediado que foi pelos chamados espíritos de luz, estes mesmos espíritos que são a chave da doutrina espírita…”

Apertado pelos nossos questionamentos esse pobre desinformado acabou confessando que:

“Quanto a Allan Kardec (se suicidou ou não) não obtive esta informação através de pesquisa, mas sim dos meus próprios familiares espíritas o que me fez ficar envergonhado no que relatei a você, em e-mail anterior. Confesso que acredito no que você me relatou a respeito deste assunto pois, considero e sei o que digo. Você não é só um estudioso, mais um praticante”.

Louvável essa sua atitude, pois acabou, honrosamente, por confessar que não havia obtido essa informação de fonte insuspeita, cuja fundamentação só pode ser feita em pesquisadores ou biógrafos. Só que ficamos a pensar que “tipo” de Espiritismo frequentam os familiares dele para lhe passar uma informação dessas. Até aí, isso não passa de evidente anedota, e põe anedota nisso…

Mas aproveitando a oportunidade, para um esclarecimento sobre as circunstâncias da morte de Kardec, vamos passar a você, caro leitor, o que encontramos a respeito. E quem sabe se esse texto não venha a cair nas mãos de pessoas interessadas na verdade dos fatos, já que detratores, sem base de pesquisa séria, buscam denegrir Allan Kardec, por absoluta incompetência de lhe refutar os argumentos lógicos e racionais.

O que relatam os seus biógrafos e pesquisadores
Vejamos alguma coisa da biografia de Allan Kardec, por:

1) Henri Sausse
Hippolyte-Léon-Denizard Rivail – Allan Kardec – faleceu em Parias, rua e passagem Sant’Ana, 59, 2ª circunscrição e mairie de la Banque, em 31 de março de 1869, na idade de 65 anos, sucumbindo da ruptura de um aneurisma. (KARDEC, A.O que é o Espiritismo, pág. 44).

2) André Moreil
E, então, na manhã de 31 de março de 1869, o coração de Denizard Hippolyte Léon Rivail – Allan Kardec detém-se para sempre, em consequência da ruptura de um aneurisma. (Vida e Obra de Allan Kardec, p. 85).

3) Revista Grandes Líderes da História

Os problemas de Saúde
Em sua primeira crise cardíaca, Kardec recebeu a ajuda de um médico muito especial. Seu grande amigo Antoine Demeure, médico com o qual se correspondia, mas a quem nunca havia encontrado, acabara de morrer, no dia 25 de janeiro de 1865, aos 71 anos. O doutor Demeure, espírita convicto, vivia a caridade pregada pela Doutrina de forma plena. Cinco dias depois da falência de seu corpo, seu espírito foi evocado em uma sessão da Sociedade Espírita de Paris, comunicação narrada em “O Céu e o Inferno”. Dois dias depois desse encontro entre os dois amigos – um vivo e outro morto -, o bondoso médico apareceu para acudir Allan Kardec com seus problemas cardiovasculares. Embora fosse uma alma crente nas verdades espíritas, Demeure era também um cientista positivista e logo passou um belo sermão em seu amigo encarnado. Primeiro, disse que a crise não duraria muito, se Kardec seguisse suas prescrições. Mas, no dia seguinte, tratou logo de dar um belo “puxão de orelha” no velho professor, dizendo que ele deveria cuidar melhor de sua saúde, pois ainda tinha que terminar a codificação da Doutrina. Se, por descaso e excesso de trabalho, desencarnasse antes de acabar o que começara, Kardec seria mesmo julgado por homicídio voluntário nos tribunais divinos.

Assim, a partir de 1865, o Codificador passou a dividir seus trabalhos, como responde um gigantesco número de correspondência, com secretários e auxiliares. Mas a verdade é que continuou abusando de sua cada vez mais combalida saúde e, vira e mexe, caía doente. E as coisas foram nessa toada até o mês de março de 1869. Curiosamente, em abril, a edição da “Revista Espírita” – que chegou às bancas após a morte de Kardec -, trazia uma mensagem do Codificador, informando que, a partir do dia 1º de abril daquele mês, o escritório para assinaturas e expedição do periódico seria transferido para a sede da Livraria Espírita, na rue Lille 7. Kardec também avisava que ele próprio estava de mudança para a Avenue et Villa Ségur 39, onde possuía uma casa desde 1860, mais ou menos. Enquanto encaixotava as coisas na casa da rue Saint-Anne, ele recebeu a visita de um caixeiro de livraria. Ao atender o sujeito, Kardec caiu fulminado, vítima da ruptura de um aneurisma. O relógio andava entre onze da manhã e meio-dia. Seu empregado tentou erguê-lo, mas em vão. O seu amigo Gabriel Delanne usou do magnetismo, mas também foi em vão. O corpo de Allan Kardec já estava morto. Segundo E. Muller, amigo da família, “nada de tétrico marcara a passagem de sua morte; se não fora pela parada da respiração, dir-se-ia que ele estava dormindo”. (Revista Grandes Líderes da História: Allan Kardec, pp. 31-32).

4) Jorge Damas Martins e Stenio Monteiro de Barros

São os autores do livro Allan Kardec – Análise de Documentos Biográficos, que fornecem até uma cópia da certidão de óbito do codificador, cuja tradução do francês, constante do livro, transcrevemos:

Ao primeiro de abril de mil oitocentos e sessenta e nove, às dez horas e meia da manhã. Certidão de óbito de Léon Hippolyte Denisart Rivail, falecido ontem às duas horas da tarde em seu domicílio em Paris, rua Ste Anne nº 59, nascido em Lyon (Rhône), escritor, filho de Rivail, e de Duhamel sua esposa, falecidos. Casado com Amélie Gabrielle Boudet, de setenta e três anos de idade, sua esposa, sem profissão. O dito óbito devidamente constatado por nós, François Ernest Labbé, adjunto do prefeito e oficial do estado civil no Segundo Distrito de Paris; totalmente feita conforme declaração de Armand Théodore Desliens, empregado, de vinte e cinco anos de idade, morador no Boulelvard du Prince Eugène nº 110 e de Alexandre Delanne, negociante, de trinta e nove anos de idade, morador na passagem Choiseul nº 39 & 41, não-parentes, testemunhas que assinam conosco após leitura da certidão.
———assinaturas———-

Continuando, em pouco mais à frente:

2 – 31 de março de 1869

O registro das testemunhas do óbito, ocorreu “ao primeiro de abril de 1869, às dez horas e meia da manhã”. Informaram que Rivail faleceu “ontem… em seu domicílio em Paris, na rua Ste. Anne, nº 59”.

A certidão ressalta o que todos sabemos: Allan Kardec retorna ao plano espiritual, numa quarta-feira, dia 31 de março do ano de 1869, fulminado, como citam seus biógrafos, pela ruptura de um aneurisma. (31).

Imediatamente após conhecimento do fato, o Sr. E. Muller, grande amigo de Kardec e de sua esposa, mandou o seguinte telegrama aos espíritas lioneses: “Monsieur Allan Kardec est mort, on l’enterre vendredi”, ou seja, em português: “Morreu o Sr. Allan Kardec, será enterrado sexta-feira”.

No mesmo dia, o sr. Muller assim se expressava em carta ao Sr. Finet, de Lião:

(….) Ele morreu esta manhã, entre onze e doze horas, subitamente, ao entregar o número da “Revue” (32) a um caixeiro de livraria que acabava de comprá-lo, ele se curvou sobre si mesmo, sem proferir uma única palavra: estava morto.

Sozinho em sua casa (Rua Sant’Ana), Kardec punha em ordem livros e papéis para a mudança que se vinha processando e que deveria terminar amanhã. Seu empregado, aos gritos da criada e do caixeiro, acorreu ao local, ergueu-o… nada, nada mais. Delanne (33) acudiu com toda a presteza, friccionou-o, magnetizou-o, mas em vão. Tudo estava acabado.

(31) Nota da editora: Dificilmente a causa da desencarnação de Kardec teria sido o rompimento de um aneurisma, como se tem dito, chegando-se a especificar que teria sido da aorta descendente. A constatação do óbito por aneurisma, à época, se daria apenas através da necropsia, e não se consta que os despojos de Allan Kardec tenham sido submetidos a esse exame. A descrição do Sr. Muller, que diz: “ele se curvou sobre si mesmo, sem proferir uma única palavra, estava morto”, acrescida da descrição de toda a cena, nos leva a crer tenha ocorrido uma parada cardíaca após um infarto fulminante do miocárdio. Demais, é manifesto, em suas biografias, pelas orientações médicas descritas, que Kardec era cardíaco. Dos arquivos de Canuto Abreu, publicada por Wantuil & Thiesen (pp. 112-113), uma carta de Kardec ao sr. Judermühle diz o seguinte: “Desde o dia 31 de janeiro (1865) […] fui acometido de um reumatismo interno que se estendeu ao coração e aos pulmões” … Esta é a descrição de uma insuficiência cardíaca congestiva. L. Palhano Jr.

(32) Nota da editora: “Entregou o número da ‘Revue’”. Este fato confirma que Kardec esteve lúcido até os seus últimos momentos na Terra, visto que nesse número da revista seus pensamentos mantinham a coerência e o bom-senso de sempre. L. Palhano Jr.

(33) Alexandre Delanne, pai do engenheiro e emérito pesquisador e escritor espírita Gabriel Delanne.

(MARTINS, J. D. e BARROS, S. M. Allan Kardec – Análise de Documentos Biográficos, pp. 58-62).

Possivelmente um detrator mais perspicaz, poderá dizer que, num texto do livro Obras Póstumas, há provas de que Kardec foi alertado para o seu problema de saúde, e embora de princípio ele tenha se mostrado receptivo, o tempo mostrou que as advertências não foram atendidas, pois que sucumbiu de aneurisma. Ou seja, seria como um médico alertar a um fumante do perigo em que se encontra, e este embora a princípio se mostre receptivo, algum tempo depois vem a sucumbir de um câncer de pulmão. No atestado de óbito não constará que foi suicídio, é óbvio, mas implicitamente o paciente não está livre desta culpa. E isso não deixa de ser um suicídio, embora indireto. Além disso, a advertência foi clara: “Se, por descaso e excesso de trabalho, desencarnasse antes de acabar o que começara, Kardec seria mesmo julgado por homicídio voluntário nos tribunais divinos”.

Para evitar esse tipo de argumento que, porventura, possa ser usado por alguém, vamos transcrever toda a história com o médico Demeure. Leiamos o que consta na Revista Espírita:

As duas comunicações seguintes, dadas em 1º e 2ª de fevereiro, são relativas à enfermidade de que fomos atingidos subitamente a 31 de janeiro. Embora sejam pessoais, nós as reproduzimos, porque elas provam que o Sr. Demeure é tão bom quanto o Espírito que ele era como homem, e que oferecem, além disso, um ensino. É um testemunho de gratidão que devemos à solicitude de que fomos objeto de sua parte, nessa circunstância:

“Meu bom amigo, tende confiança em nós, e boa coragem; esta crise, embora fatigante e dolorosa, não será longa, e, com os comedimentos prescritos, podereis, segundo os vossos desejos, completar a obra da qual vossa existência foi o objetivo principal. Portanto, sou eu que estou sempre aí, junto de vós, com o Espírito de Verdade, que me permite tomar em seu nome a palavra, com o último de vossos amigos vindo entre os Espíritos! Eles me fazem a honra das boas-vindas. Caro mestre, quanto sou feliz de ter morrido mais cedo, teria talvez podido vos evitar essa crise que eu não previa; havia pouco tempo que eu tinha desencarnado para me ocupar de outra coisa senão do espiritual; mas agora velarei sobre vós, caro mestre, é vosso irmão e amigo que está feliz de ser Espírito para estar junto de vós e vos dar os cuidados que vos dão, vos conformando estritamente às suas prescrições”.

“Faz muito calor aqui; este carvão é fatigante. Enquanto estiverdes doentes, não o queimeis; ele continua a aumentar a vossa opressão; os gases que dele se desprendem são deletérios”.

“Vosso amigo,”
DEMEURE

“Sou eu, Demeure, o amigo do Sr. Kardec. Venho dizer-lhe que estava junto dele quando do acidente que lhe ocorreu, e que teria podido ser funesto sem uma intervenção eficaz para a qual fiquei feliz em concorrer. Segundo as minhas observações e as informações que hauri em boa fonte, é evidente para mim que, quanto mais cedo a sua desencarnação se operar, mais cedo poderá se fazer a reencarnação pela qual virá acabar a sua obra. No entanto, lhe é preciso dar, antes de partir, a última mão nas obras que devem completar a teoria doutrinária da qual é o iniciador, e ele se torna culpado de homicídio voluntário contribuindo, por excesso de trabalho, ao defeito de seu organismo que o ameaça de uma subida partida para os nossos mundos. Não é preciso temer de dizer-lhe toda a verdade, para que se mantenha em guarda e siga do pé da letra as nossas prescrições”.
DEMEURE

(Revista Espírita março de 1865, pp. 83-84)

Instruções para o Sr. Allan Kardec
(Paris, 23 de abril de 1865. – Médium, Sr. Desliens.)

A saúde do Sr. Allan Kardec se enfraquecendo dia a dia em consequência dos trabalhos excessivos aos quais não pode bastar, me vejo na necessidade de repetir-lhe de novo o que já lhe disse muitas vezes: Tendes necessidade de repouso; as forças humanas têm limites que o vosso desejo de ver progredir o ensino vos leva frequentemente a infringir; estais errado, porque, assim agindo, não apressareis a marcha da Doutrina, mas arruinareis a vossa saúde e vos colocais na impossibilidade material de acabar a tarefa que viestes cumprir nesse mundo. A vossa doença atual não é senão uma dispensa incessante de forças vitais que não deixam, para repará-las, o tempo de se fazer, e de um aquecimento do sangue produzido pela falta absoluta de repouso. Nós vos sustentamos sem dúvida, mas com a condição de não desfazer o que nós fazemos. De que serve correr? Não vos foi dito, muitas vezes, que cada coisa virá a seu tempo e que os Espíritos prepostos do movimento das ideias saberiam fazer surgir às circunstâncias favoráveis quando o momento de agir tiver chegado?

Quando cada Espírita recolhe suas forças para a luta, pensais que seja do vosso dever esgotar as vossas? – Não; em tudo deveis dar o exemplo e o vosso lugar será atacado vivamente no momento do perigo. Que faríeis se o vosso corpo enfraquecido não permitisse mais ao vosso Espírito servir-se das armas que a experiência e a revelação vos colocaram nas mãos? – Crede-me, remetei para mais tarde as grandes obras destinadas a completar a obra esboçada nas vossas primeiras publicações; vossos trabalhos correntes e algumas pequenas brochuras urgentes têm com que absorver o vosso tempo, e devem ser os únicos objetos de vossas preocupações atuais.

Não falo somente em meu próprio nome, sou aqui o delegado de todos esses Espíritos que contribuíram tão poderosamente para a propagação do ensino pelas suas sábias instruções.

Eles vos dizem, por meu intermédio, que esse retardamento que pensais nocivo ao futuro da Doutrina é uma medida necessária em mais de um ponto de vista, seja porque certas questões não estão ainda completamente elucidadas, seja para preparar os Espíritos a melhor assimilá-las. É preciso que outros tenham desbravado o terreno, que certas teorias tenham provado a sua insuficiência e feito um maior vazio. Em uma palavra, o momento não é oportuno; poupai-vos, pois, porque quando disso for tempo, todo o vosso vigor de corpo e de Espírito vos será necessário. O Espiritismo não foi, até aqui, o objeto de muitas diatribes e levantou-se bem das tempestades! credes que todo movimento seja apaziguado, que todos os ódios sejam acalmados e reduzidos à impossibilidade? Desenganai-vos, o cadinho depurador não rejeitou ainda todas as impurezas; o futuro vos guarda outras provas e as últimas crises não serão as menos penosas para suportar.

Sei que a vossa posição particular vos suscita uma multidão de trabalhos secundários que empregam a melhor parte de vosso tempo. Os pedidos de todas as espécies vos sobrecarregam e vos fazeis um dever satisfazê-los tanto quanto possível. Farei aqui o que, sem dúvida não ousaríeis fazer vós mesmo, e, dirigindo-me à generalidade dos Espíritas, pedir-lhes-ei, no próprio interesse do Espiritismo, de vos poupar toda sobrecarga de trabalho de natureza a absorver os instantes que deveis consagrar, quase exclusivamente, ao remate da obra. Se a vossa correspondência com isto sofrer um pouco, o ensino aí ganhará. É algumas vezes, necessário sacrificar as satisfações particulares ao interesse geral. É uma medida urgente que todos os adeptos sinceros saberão compreender e aprovar.

A imensa correspondência que recebeis é para vós uma fonte preciosa de documento e de informações; ela vos esclarece sobre a marcha verdadeira e os progressos reais da Doutrina; é um termômetro imparcial; além disto, nela hauris satisfações morais que, mais de uma vez, sustentaram a vossa coragem vendo a adesão que as vossas ideias encontram em todos os pontos do globo; sob este aspecto, a superabundância é um bem e não um inconveniente, mas com a condição de secundar os vossos trabalhos e não de entravá-los, vos criando um acréscimo de ocupações.
Dr. DEMEURE

Bom senhor Demeure, eu vos agradeço pelos vossos sábios conselhos. Graças à resolução que tomei fazendo me substituir, salvo os casos excepcionais, a correspondência corrente sofre pouco agora, e não sofrerá mais no futuro; mas que fazer desse atraso de mais de quinhentas cartas que, apesar de toda a minha boa vontade, não posso chegar a pôr em dia?

Resposta: É preciso, como se diz em termos de comércio, passá-las em bloco para a conta de lucros e perdas. Anunciando esta medida na Revista, vossos correspondentes saberão o que se passa; compreenderão a sua necessidade, e a acharão sobretudo justificada pelos conselhos que precedem. Eu o repito, seria impossível que as coisas fossem por muito tempo como estão; tudo disso sofreria, a vossa saúde e a Doutrina. É preciso, se preciso for saber fazer os sacrifícios necessários. Tranquilo, doravante, sobre este ponto, podereis vos ocupar mais livremente de vossos trabalhos obrigatórios. Eis o que vos aconselha aquele que será sempre vosso amigo devotado.
DEMEURE.

Cedendo a este sábio conselho, pedimos àqueles de nossos correspondentes com os quais estamos há muito tempo em atraso aceitarem as nossas escusas e os nossos lamentos por não ter podido responder com detalhe, e como teríamos desejado, às suas benevolentes cartas. Consintam em receber aqui, coletivamente, a expressão dos nossos sentimentos fraternos.

(Revista Espírita, maio de 1866, pp. 153-155).

Como se pode ver, Kardec atendeu às recomendações dadas pelo Dr. Demeure, e coisa mais estranha, ele é um espírito, para os detratores um demônio, que, em nome de todos os outros Espíritos que participavam dessa revelação, disse a Kardec para que cuidasse de sua saúde senão morreria mais cedo, demonstrando pouco interesse em tê-lo imediatamente em suas “garras nas profundezas do inferno”, como seria o caso.

Por outro lado, conforme foi dito pelo evangélico, se Kardec estava “obsediado” (sic) pelos espíritos de luz, como poderiam esses demônios estar praticando uma boa ação? Não queriam exatamente ajudá-lo a levar adiante sua missão, por isso lhe faziam sérias recomendações a respeito de sua saúde? Estranho! Muito estranho, já que, até onde sabemos, são os espíritos maus (demônios) que promovem as obsessões, cujo interesse está em prejudicar não em ajudar, atitude própria dos espíritos de luz. Daí perguntamos: “Por acaso, a fonte pode fazer jorrar da mesma mina água doce e água salobra?” (Tg 3,11). E não venham com aquela surrada frase de que “satanás se transforma em anjo de luz” para justificar suas ideias, pois também está dito que: “Quem pratica o mal, tem ódio da luz, e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam desmascaradas. Mas, quem age conforme à verdade, se aproxima da luz, para que suas ações sejam vistas, porque são feitas como Deus quer” (Jo 3,20-21). E, apoiando-nos em Jesus, também diremos: “Uma árvore boa não pode dar frutos maus, e uma árvore má não pode dar bons frutos” (Mt 7,18).

As orientações foram no início de fevereiro e em meados de abril do ano de 1865, depois disso não há mais nenhuma outra comunicação de Demeure “puxando a orelha” de Kardec sobre estar trabalhando demais em prejuízo de saúde, do que concluímos que suas prescrições foram seguidas e o codificador se recuperou, vivendo ainda por mais quatro anos. Era do conhecimento de Kardec que não viveria por muito mais tempo, conforme lhe fora dito em 17.01.1857, quando do anúncio de uma nova encarnação: “Não verás nessa existência, senão a aurora do sucesso de tua obra; será necessário que retornes, reencarnado num outro corpo, para completar o que tiverdes começado, e, então, terás a satisfação de ver, em plena frutificação, a semente que tiverdes difundido sobre a Terra” (Obras Póstumas, pp. 281-282).

Reforça essa hipótese o seu trabalho posterior com a publicação de mais dois importantes livros básicos da codificação realizados em 01.08.1865 e 06.01.1868, “O Céu e o Inferno” e “A Gênese”, respectivamente. Não deixando de, neste período, continuar publicando a Revista Espírita que ele só parou com sua morte. Outras obras foram lançadas, tais como: Coleção de Preces Espíritas (1865) e Estudo acerca da Poesia Medianímica (1867).

Kardec tinha mesmo um pressentimento que sua vida não seria longa. Vejamos o que consta de seus escritos sobre isso:

24 de janeiro de 1860.
(Em casa da sra. Forbes, méd. sra. Forbes)
Duração dos meus trabalhos

Segundo minha apreciação, estimava que me seriam necessários ainda em torno de dez anos para terminar os meus trabalhos, mas não tinha dado conhecimento dessa ideia a ninguém. Fiquei, pois, muito surpreso ao receber, de meus correspondentes de Limoges, uma comunicação obtida espontaneamente, na qual o Espírito, falando dos meus trabalhos, dizia que o teria ainda por dez anos antes de terminá-lo.

Pergunta:(À Verdade) – Como ocorre que um Espírito, se comunicando em Limoges, onde nunca fui, haja dito precisamente o que eu pensava sobre a duração de meus trabalhos.

Resposta: – Sabemos o que te resta a fazer e, consequentemente, o tempo aproximado que te é necessário para acabá-lo. É, pois, muito natural que os Espíritos hajam dito em Limoges”, e alhures, para dar ideia da importância da coisa e o trabalho que ela exige.

No entanto, o prazo de dez anos não é absoluto; pode ser prolongado em alguns anos por circunstâncias imprevistas e independentes de tua vontade.

Nota. (Escrita em dezembro de 1866). – Publiquei quatro volumes de fundo para falar de coisas acessórias. Os Espíritos me prensam para publicar a Gênese em 1867, antes das perturbações. Durante o período de grande perturbação, deverei trabalhar nos livros complementares da Doutrina, que não poderão aparecer senão depois da grande tormenta, e para os quais me são necessários de três a quatro anos. Isso nos leva, o mais cedo, em 1870, quer dizer, em torno de dez anos.

(Obras Póstumas, p. 286)

Dois meses depois dessa comunicação, Kardec recebe mais uma outra, falando do seu retorno, leiamos:

10 de junho de 1860
(Em minha casa, médium, sra. Schmidt.)
MEU RETORNO

Pergunta: (À Verdade). Acabo de receber uma carta de Marselha, na qual se me diz que, num seminário dessa cidade, se ocupou seriamente do estudo do Espiritismo e de O Livro dos Espíritos. O que é preciso disso augurar? É que o clero tomou a cosia com interesse?

Resposta: – Não podes disso duvidar: ele toma as coisas muito a sério, porque nelas prevê as consequências para ela, e as suas apreensões são grandes. O clero, sobretudo a parte esclarecida do clero, estuda o Espiritismo mais do que não o crês: mas não pensa que seja por simpatia; ao contrário, nisso procura os meios para combatê-lo, e assegura-te que lhe fará uma rude guerra. Não te inquietes com isso; continue a agir com prudência e circunspecção; tenha-te em guarda contra as armadilhas que te serão estendidas; evita cuidadosamente, em tuas palavras e em teus escritos, tudo o que poderia fornecer amas contra ti.

Prossegui o caminho sem medo, e se ele está semeado de espinhos, asseguro-te que terás grandes satisfações antes de retornares “por um pouco” entre nós.

Pergunta: Que entendeis por essas palavras “por um pouco”?

Resposta: – Não ficarás muito tempo entre nós; é necessário que retornes para terminar a sua missão, que não pode ser rematada nesta existência. Se isso fosse possível, não te irias daí de modo algum, mas é preciso suportar a lei da Natureza. Estarás ausente durante alguns anos e, quando voltares, isso será em condições que te permitirão trabalhar cedo. No entanto, há trabalhos que é útil que termines antes de partir; é porque te deixaremos o tempo necessário para acabá-los.

Nota. – Supondo aproximadamente a duração dos trabalhos que me restam a fazer, e tendo em conta o tempo de minha ausência e os anos de infância e da juventude, até a idade que um homem pode desempenhar um papel no mundo, isso nos leva, forçosamente, ao fim deste século ou ao começo do outro.

(Obras Póstumas, pp. 289-290)

Observamos dessas comunicações que Kardec não teria mesmo muito mais tempo de vida, seria apenas o necessário para cumprir sua missão. Em princípios de 1860 ele estimou que deveria ter mais 10 anos de vida, fato confirmado pelos Espíritos, e isso nos remete ao de 1870. Mas como os próprios Espíritos também lhe informaram que esse tempo poderia ser antecipado ou dilatado, como a sua morte se deu em fins de março de 1869, portanto, um pouco menos que o tempo previsto, cumpriu-se o que havia sido planejado para o cumprimento de sua missão. Fato também que se pode comprovar em relação aos documentos encontrados depois de sua morte, entre os quais não se observou nenhum que pudesse indicar alguma obra inacabada.

Conclusão
Estão aí os fatos para que cada um, que se interessar, possa tomar conhecimento do que realmente aconteceu a Kardec, quando de sua morte. Por isso não há necessidade de estendermos a nossa conclusão, já que os aspectos importantes nós os ressaltamos no decorrer do texto.

Por Paulo da Silva Neto Sobrinho

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