Um problema inerente ao homem. |
Denúncias
sobre intolerância religiosa se multiplicam e, de maneira bastante oportuna e
necessária, criam-se delegacias especializadas nesse crime, no esforço de
impedir que ações que já ocorrem no Primeiro Mundo, como os atentados que
dizimam multidões, aconteçam no Brasil, assim como atos isolados que tantos
danos, materiais e humanos, causam de forma lamentável.
O
problema, no entanto, é como se observa no caso do bullying. Muitos valentões
que na infância ou na adolescência agrediam colegas menos privilegiados nas
escolas, se passam agora por agredidos. Há muita religião privilegiada que,
diante da menor denúncia de irregularidade, reage com vitimismo e se passa por
vítima de “intolerância religiosa”.
O
recente ataque de vandalismo, no Rio de Janeiro, a uma estátua do poeta Carlos
Drummond de Andrade, ajuda a entender por que o ataque similar feito ao
mausoléu, em Uberaba, do “médium” Francisco Cândido Xavier, não foi um ato de
intolerância religiosa, mas um ataque a todo tipo de famoso, independente da
atividade e do perfil que fosse.
Esses
ataques se dirigem a qualquer tipo de famoso, geralmente uma pessoa que é
considerada símbolo de uma cidade. Na verdade, o vandalismo é cometido quase
sempre por pessoas movidas por um ódio generalizado à cidade onde vivem, é um
ódio à cidade como instituição, e qualquer monumento de uma figura destacada em
cada cidade pode ser atingido. Pode ser Chico Xavier, Dom Pedro I, Hebe
Camargo, Leonel Brizola, Emílio Médici ou o palhaço Carequinha.
A
intolerância religiosa acontece, mesmo, em religiões relacionadas a camadas
sociais diferentes do padrão aceito pelas elites dominantes. Entre elas, estão
as religiões afro-brasileiras, judaicas e muçulmanas, associadas a povos
negros, árabes e mestiços, que estabelecem hábitos e crenças que não são
compartilhados pela sociedade mais elitista.
O “espiritismo”
não está entre as vítimas de intolerância religiosa. Tanto porque é uma
religião de elite, que em muitos casos compartilha interesses com os
neopentecostais (evangélicos derivados de
movimentos como Assembleia de Deus e Igreja Nova Vida), como a criminalização do aborto.
O “espiritismo”
é aceito pela alta sociedade e recebe uma blindagem surreal na qual a doutrina
brasileira é tolerada até demais. Nem para dar explicações Divaldo Franco quis
dar a respeito da “farinata” e por que decidiu homenagear uma estrela cadente
da política nacional, o prefeito de São Paulo, João Dória Jr...
E A INTOLERÂNCIA DOS “ESPÍRITAS”?
O
próprio Divaldo deu sua manifestação de intolerância depois de ser entrevistado
por um veículo de imprensa após um congresso “espírita” na Espanha. Com o
agravante de falar com um tom de mansuetude, Divaldo fez um julgamento de valor
de extrema perversidade: acusou os refugiados do Oriente Médio de terem sido “antigos
colonizadores sanguinários” que estariam voltando para a Europa para “recuperar
seus tesouros”.
Isso
não foi uma declaração de intolerância? O prestígio de Divaldo não é razão para
ele falar e fazer o que quer, e criticar suas posturas não é intolerância
religiosa? E quem imagina se Divaldo não teria cometido intolerância religiosa
no seu terrível juízo de valor, pois boa parte dos refugiados era de judeus e
muçulmanos, pessoas que só queriam ter uma vida tranquila, ainda que modesta,
sem se preocuparem com antigos tesouros ou coisa parecida, mas com um mínimo de
qualidade de vida.
Os “espíritas”
é que fazem juízo de valor o tempo inteiro. Se você vai para um “auxílio
fraterno” em um “centro espírita” e descreve um problema pessoal, a resposta
que quase sempre seus membros dão é para a pessoa aceitar o problema, porque
ele lhe traz vantagens e benefícios na vida.
Se,
por exemplo, um trabalhador reclama porque as contas acumulam e sobem e o
salário desce - sim, estamos vivendo o “ótimo” período da reforma trabalhista
que permite até mesmo redução salarial - , o “tarefeiro” da “casa espírita”
dirá coisa do tipo: “de repente você está gastando demais em bobagem, corte a
cesta básica, corte a salada, fique só com arroz e feijão, esse é um ótimo
momento para você entrar em contato com Deus e negociar com seu patrão, que é
um irmão seu”.
Nem
se as oportunidades que a pessoa atrai são azarentas - tipo um rapaz que perde
tragicamente a moça por quem se apaixonou e depois atrai uma mulher-fruta que
foi casada com um miliciano ciumento e enfurecido com o divórcio - o “tarefeiro
espírita” se convence: geralmente ele vem com coisas do tipo “De repente a
mulher-fruta precisa do amor de homens como você e não vejo problema em você
negociar com o ex-marido dela. Fale com jeitinho e ele compreenderá”.
Moleza.
Negociar com o cano de um revólver, para um “espírita”, tanto faz. Se a pessoa
morrer, o “espírita” acha bom: “tadinho, mas ele está nos braços de Deus”,
dirá. A intolerância que os “espíritas” tem com as necessidades do outro, que
combatem com o “exército de palavras” de seu julgamento de valor, é uma marca
dessa religião que, apesar de “baseada” em postulados de Allan Kardec, é na
verdade inspirada no Catolicismo jesuíta português.
Em
2009, uma entidade “espírita” na Espanha é que foi movida por profunda
intolerância social. O evento Vida Depois da Vida, da região de Albacete, foi criticado
por um acadêmico, o professor universitário Fernando Cuartero, por usar a
estrutura da universidade onde ele lecionava, a Universidad de Castilla-La
Mancha, para promover um evento religioso.
O
Vida Depois da Vida poderia ter escolhido outro lugar, mas insistiu em usar a
universidade e até suas marcas para promover o evento. Por ter chamado de “enganadores
vulgares”, o professor Cuartero foi processado pelo Vida Depois da Vida, uma
entidade que se diz “seguidora da doutrina de Allan Kardec”, mas é composta por
muitos membros associados à Astrologia e ao esoterismo. A entidade manifestou
admiração por Chico Xavier e Divaldo Franco.
Cuartero
foi processado em 2010 e condenado a pagar multas e fazer retratação, mas um
movimento de solidariedade de ativistas sociais e de entidades ligadas à
liberdade de expressão do pensamento crítico apoiaram o professor, que, através
de um processo de defesa na Justiça, foi absolvido. O caso revela que a
intolerância está, muitas vezes, no lado dos “espíritas”.
Religiões
privilegiadas como os setores conservadores do Catolicismo, as seitas
neopentecostais - como a Igreja Universal do Reino de Deus - e o “espiritismo”
brasileiro não sofrem intolerância religiosa. Além disso, neopentecostais e “espíritas”
estão associados a atos de intolerância, os primeiros através de pautas sociais
retrógradas e atos de repressão a causas modernas, como a LGBT, por exemplo, e
os segundos através do juízo de valor.
Uma
pediatra de Rondonópolis (MT), com um juízo de valor não muito diferente do que “sabiamente”
transmitiram Chico Xavier e Divaldo Franco, foi condenada por ter usado a “liberdade
religiosa” para justificar a recusa de atendimento a uma criança cuja mãe
informou ter sido vítima de estupro. A médica fez juízo de valor dizendo que a
menina “tinha que sofrer aquilo” porque “exibia uma energia sexual que chamou a
atenção do estuprador, seu próprio tio”.
Nas
seitas neopentecostais, há denúncias de enriquecimentos ilícitos de pastores
evangélicos. Há também denúncias do uso de alegações “religiosas” para cometer
atos de intolerância social e até de racismo, como no caso do combate às
religiões afro-brasileiras. Investigar isso é intolerância religiosa?
E no
“espiritismo”? Obras supostamente mediúnicas que revelam conteúdo fake - para
desespero de muitos, nem Chico Xavier se livrou deste problema - têm que ser
toleradas em prol da “liberdade religiosa”? Apontar irregularidades nos livros
atribuídos ao espírito de Humberto de Campos, mesmo comprovadamente distantes
do estilo original do autor, é ato de “intolerância religiosa”? Evidentemente,
não.
A
liberdade religiosa não pode servir de desculpa para as pessoas fazerem o que
quiserem. É preciso ter muito cuidado e discernimento, porque o discurso de “liberdade
religiosa” pode muito bem servir de estímulo ao obscurantismo e aos abusos
cometidos sob a marquise da fé religiosa.
Combatemos
a intolerância religiosa, mas vejamos o outro lado, quando religiões que abusam
de seus procedimentos - como as traições que os “espíritas” fazem ao legado
original de Allan Kardec - devem ser questionadas e investigadas. As religiões
não estão acima da humanidade, elas precisam ter um limite para não cometer
atos abusivos e irresponsáveis.
Por Equipe Dossiê
Espírita
FONTE: http://dossieespirita.blogspot.com.br
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