Crítica ao livro "Não será em 2012"

Aos espíritas, prudência em crer em transformações frenéticas. 
ALGUNS COMENTÁRIOS CRÍTICOS SOBRE O LIVRO

“NÃO SERÁ EM 2012”,

DE MARLENE NOBRE E GERALDO LEMES.


INTRODUÇÃO:
Em Maio de 2011, o jornal Folha Espírita, nº 4391, sacudiu o Movimento Espírita com uma revelação: Chico Xavier teria dito a Geraldo Lemes, em 1986, em uma conversa informal pela madrugada Uberabense, que a data-limite para o “velho mundo” (ou seja, a transformação do planeta de mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração) não seria 2012 (conforme alguns creem), mas, 2019. Em resumo, tal revelação consiste na ideia de que a chegada do homem à Lua despertou certo interesse (e receio) da comunidade espiritual do Sistema Solar (?). Uma reunião foi marcada entre as potencialidades angélicas (?) de nosso Sistema, na qual o futuro da humanidade seria decidido. Ficou acordado, mediante intervenção direta de Jesus, tido como governador espiritual da Terra, que a humanidade teria o prazo de 50 anos, a contar da chegada do homem à Lua (20/07/1969-20/07/2019) para que os países aprendessem a conviver em harmonia, evitando a todo custo uma terceira Guerra Mundial. Caso consiga, a humanidade entraria em uma fase de progresso nunca antes vista, em que veríamos a cura das doenças e a solução das crises humanitárias. Caso contrário, uma nova idade das trevas abater-se-ia, podendo levar até mil anos para se recompor (p. 58).

Tal revelação causou relativo impacto no Movimento Espírita, gerando discussões e debates. Nos últimos meses, no entanto, a discussão esfriou, e o tema ficou em segundo plano. Todavia, acredito que, até a chegada de 2019, esse tema virá à tona diversas vezes. Tendo isso em vista, e também pela insistência de alguns amigos que me pediam uma opinião,  elaborei o presente artigo. Para analisar tal situação, é preciso focar em determinados assuntos, pois, apesar de ser um livro pequeno, apresenta uma série de questões que, para serem devidamente observadas, demandariam grande empenho e conhecimento histórico profundo. Dessa forma, dividirei a análise em cinco partes, a saber:
1) reflexões sobre a revelação;
2) breve análise das profecias apresentadas;
3) divergências doutrinárias;
4) revelação ou reinterpretação?
5) conclusão.

1.  REFLEXÕES SOBRE AS SUPOSTAS REVELAÇÕES:
Quando tive notícias sobre o caso, a primeira pergunta que me fiz foi: Por que só agora?  Se esta conversa com Chico Xavier ocorreu em 1986, por que só agora, em 2011 (25 anos depois), é que veio a público? Isso me levou a outras questões, como: Quando Chico Xavier soube destas revelações? Se as conhecia desde o princípio, por que não as divulgou (ver item 4)? Por que esperar 17 anos (1969-1986) para contar isto a alguém? Segundo Geraldo Lemes, a conversa ocorreu em 1986. Geraldo Lemes guardou segredo até que não suportando a própria consciência, resolveu contá-lo à Marlene Nobre que, por sua vez, confidenciou-lhe, apesar de já terem se tornado público outras revelações que Chico Xavier ter-lhe-ia feito, não sobre a data-limite do velho mundo, mas sobre o papel do Brasil nesse processo. Dessa forma, os autores resolveram dar publicidade às revelações, unindo-as num tema comum. Primeiramente, em forma de entrevistas ao jornal Folha Espírita e, posteriormente, em um livro e DVD.

Se Chico Xavier confiava na revelação, como parecia confiar (p. 49), é estranhíssimo o fato de tê-la mantido em sigilo. Chico Xavier é uma personalidade reconhecida pelo seu desapego e dedicação ao bem, trajetória que lhe rendeu o título de Mineiro do Século. Não vejo razões, portanto, para que algo de tal magnitude ficasse em oculto. Entretanto, é possível que ele não tivesse se dado conta, inicialmente, da magnitude dessa revelação. Pode ser que ele tenha ficado ciente em qualquer ano entre 1969 e 1986, o que nos levaria a mais pergunta sobre os motivos de tê-la mantida oculta neste período. Talvez só tenha tido conhecimento desta revelação em 1986. Não sabemos. Infelizmente, os autores não se preocuparam em esclarecer este ponto.

Passamos, então, à segunda questão mais impactante: Por que Geraldo Lemes guardou consigo por 25 anos esta informação? Ele também crê firmemente em sua veracidade (p. 45). Mas, possivelmente, não quisesse se expor. Acredito, contudo, que, provavelmente, tenha esperado tempo suficiente para observar se a revelação faria ou não sentido. Novamente, porém, os autores não se preocuparam em esclarecer os motivos da reserva, por isso especulo.

Em termos matemáticos simples, já se passaram 42 dos 50 anos previstos, isto é, 84% do tempo previsto transcorreram sem nenhuma guerra que pudesse pôr toda a humanidade em risco. Restariam, portanto, 16% do tempo para que uma terceira Guerra Mundial ou uma guerra nuclear (condição expressa da revelação) aconteça e tire-nos a possibilidade de rápida ascensão. As probabilidades, nesse caso, estão ao nosso favor.

Um dos pontos curiosos e que me pareceram descontextualizados é a preocupação excessiva (p. 52) com armamento nuclear. Tal é que a condição estabelecida por Jesus e pelos demais espíritos é a de que a humanidade não se lance em uma guerra mundial ou nuclear. A ameaça nuclear era tema recorrente no fim do período da guerra fria e faria muito sentido se tal revelação surgisse naquela época. Atualmente, a problemática nuclear parece estar mais associada aos riscos que essa tecnológica impõe à humanidade, como no recente caso da usina de Fukushima, no Japão, do que alguma disposição dos países para um conflito desta natureza. Entretanto, cabe ressaltar, a humanidade não se livrou desse problema e, eventualmente, vemos o cadáver insepulto do armamento nuclear desfilando nos noticiários, principalmente entre países como a Coréia do Norte, Paquistão, Irã, etc. Configura-se, desse modo, uma ameaça real, mas com muito menos força e evidências de consecução que o período da guerra fria.

Um dos pontos destacados com ênfase no texto seria o papel do Brasil neste processo regenerador. Como se sabe, desde a publicação do livro: Brasil, coração do Mundo, Pátria do Evangelho, onde o Brasil é colocado com  destaque na possível condução do mundo pós-apocalíptico, escolhido por Jesus para ser o “coração do mundo”, é cada vez mais comum o apelo nacionalista/patriota na literatura espírita. Há exaltação à nacionalidade e até mesmo a tentativa de minimizar os problemas brasileiros (p. 75). Contudo, não entrarei no mérito dessa questão.

2.  BREVE ANÁLISE DAS PROFECIAS APRESENTADAS:
Como dito anteriormente, os autores buscaram em diversas profecias subsídios para sustentar a ideia de uma renovação que se operará em futuro próximo. Começam (p. 13) por fazer uma breve explicação da profecia Maia sobre 2012, a fim de demonstrar os motivos pelos quais eles aceitariam a profecia em essência, porém não na data prevista e, sim, em 2019. A primeira coisa que me chamou a atenção foi à data grafada como sendo a da referida profecia: 22 de Dezembro de 2012, enquanto, na realidade, é 21 de Dezembro de 2012. Por que motivo este erro? Ao analisarmos a entrevista de Fernando Malkun, disponível na internet, observamos que Amantino de Freitas, em nome da Folha Espírita (FE), faz um questionamento citando a data como sendo 22 de Dezembro e Fernando Malkun, estudioso do assunto, não o corrige. Como este capítulo cita essa entrevista, acredito que os autores se basearam nela para escrever sobre 2012. Seja como for, o fato é que a data é repetida erroneamente por todo o livro.

Não entrarei no mérito das crenças de Fernando Malkun. Contudo, cabe ressaltar que, atualmente, muitos estudiosos avaliam o calendário Maia de modo diferente, não vendo nele mais do que o fim de um ciclo de tempo (como o fim de Dezembro, para o nosso calendário) ou, ainda, que a conversão da data para o nosso calendário possa estar errada, como afirma o professor da Universidade da Califórnia, Gerardo Aldana, que em artigo publicado, diz que a margem de erro varia entre 50 e 100 anos. Dessa forma, se 21 de Dezembro de 2012 passarmos, e o mundo não se modificar mais do que o esperado, os crentes na profecia reconhecerão o erro e desistirão da ideia, certo? Errado! Um fato psicologicamente interessante sobre as profecias é que, ao falharem, geralmente não faz com que os crentes desistam dela, ao contrário, faz com que se apeguem mais ainda. Isso foi estudado na década de 50 por Leon Festinger e sua tese foi chamada de Teoria da dissonância cognitiva.

Ao fim do primeiro capítulo (p. 18), observei o que me parece a mais clara, simples e direta referência ao argumento da autoridade. Os autores negam a profecia Maia porque Chico Xavier havia dito que seria 2019, isto é, não tiveram interesse em refutar a profecia Maia que, em linhas gerais, atende ao mesmo objetivo da revelação que trouxeram. Porém, desacreditam na data pelo simples fato de Chico Xavier ter-lhes dito o contrário. Ao longo dos próximos capítulos, outras profecias são citadas para demonstrar o plano de renovação existente há milênios com o objetivo de mudar o planeta.

2.1 Profecias de Lucas
Uma análise minuciosa das profecias bíblicas exigiria tempo e conhecimentos dos quais não disponho. Dessa forma, vou-me ater apenas a alguns exemplos citados no livro que, via de regra, serve igualmente para todo o resto, uma vez que a interpretação dos autores sobre as profecias bíblicas, a priori, parece distante de seu contexto histórico e possui viés tendencioso.

            A primeira profecia citada (p. 34) encontra-se no livro de Lucas (21:20), que diz: “Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação”.

 Em seguida (p. 35), os autores dizem: “Parece bem claro que a cidade de Jerusalém está envolvida nesses acontecimentos finais, anunciados pelo profeta Daniel e retomados por Lucas, porque será sitiada pelos exércitos”.

Jerusalém foi destruída pelo menos três vezes: Em 587 A.C., por Nabucodonosor; Em 70 D.C. por Tito; e em 135 por Adriano. A qual destruição a profecia se referia? É fácil encontrarmos referências, por parte dos crentes na profecia, de que tal narrativa seria o cerco de Tito a Jerusalém, em 70 D.C., quando grandes atrocidades ocorreram. Flávio Josefo, historiador da época, escreveu: “É então um caso miserável, uma visão que até poria lágrimas em nossos olhos, como os homens aguentaram quanto ao seu alimento [...] a fome foi demasiado dura para todas as outras paixões [...] a tal ponto que os filhos arrancavam os próprios bocados que seus pais estavam comendo de suas próprias bocas, e o que mais dava pena, assim também faziam as mães quanto a seus filhinhos [...] quando via alguma casa fechada, isto era para eles sinal de que as pessoas que estavam dentro tinham conseguido alguma comida, e então eles arrombavam as portas e corriam para dentro [...] os velhos, que seguravam bem sua comida eram espancados, e se as mulheres escondiam o que tinham dentro de suas mãos, seu cabelo era arrancado por fazerem isso [...]” (Guerras dos Judeus, livro 5, capítulo 10, seção 3).

Sem adentrar o mérito da veracidade de tal profecia e considerando que os próprios estudiosos da Bíblia fazem referência ao cumprimento da mesma como sendo o ataque a Jerusalém em 70 d.C, por que razão traçar qualquer paralelo com o presente?

2.2 Profecias de João
Há apenas uma rápida citação sobre João (p. 33). No entanto, não vejo necessidade de maior aprofundamento. No livro de Apocalipse, capítulo 1, versículos 1 e 3, fica claro que as revelações de João se referiam a um curto período de tempo, sem relação, portanto, com o momento atual.

2.3 Profecias de Daniel
Essas profecias estão inseridas no Antigo Testamento, no período de reinado de Nabucodonosor II, algo em torno de 600 anos A.C. Os autores utilizaram-se de várias passagens do capítulo 8 do livro de Daniel (versículos: 13, 15, 17,18, etc.) que de fato falam sobre acontecimentos futuros (Dan. 8, 17), no intuito de fazer parecer presente o tempo da profecia.

No entanto, pulam os versículos 21 e 22 que exemplificam a visão de Daniel com acontecimentos ligados aos reinos da “Pérsia” e da “Grécia”, e passam direto para o versículo 23 (p. 34), no qual de fato se fala sobre um rei que se levantará e “será quebrado sem intervir mão de homem” (Dan. 8, 25). A própria profecia, no entanto, delimita as nações envolvidas (Dan. 8, 21-22). Mas, o que dizem os estudiosos da Bíblia? Muitos acreditam que tais profecias referem-se aos Romanos. Diz Edward O. Bragwell: “Seria nos dias desses reis, os romanos, que o Deus do céu estabeleceria um reino que jamais haveria de ser destruído”.

Mais uma vez, o que se tenta contextualizar é tido, por parte dos estudiosos, como acontecimentos históricos, ou seja, já ocorridos, não havendo, portanto, relação com o presente. Os autores concluem que o trecho “mas será quebrado sem intervir mão de homem”, refere-se a desastres naturais a se realizarem em futuro breve (p. 34).

2.4 Profecias de Ezequiel e Zacarias
Novamente, os autores fazem uma relação extraordinária. Dizem (p. 36) – “É impressionante a descrição de Zacarias (Vers. 12 do Cap. 14) quanto às consequências da guerra, dá para supor que é um conflito nuclear, escrito há 2500 anos”. De trás, para frente, podemos dizer que a data é aproximadamente correta, apesar de que este capítulo tenha sido escrito, provavelmente, por volta de 300 A.C. Assim diz o versículo citado: “Esta será a praga com que o Senhor ferirá todos os povos que guerrearam contra Jerusalém: apodrecer-se-á a sua carne, estando eles de pé, e se lhes apodrecerão os olhos nas suas órbitas, e a língua se lhes apodrecerá na boca”.

Tal descrição refere-se às consequências de um ataque nuclear? É pouco provável. Na verdade, além de descrever a cruel concepção de Deus do Antigo Testamento, tido como “Senhor dos Exércitos”, tal versículo é apenas a demonstração do “poder de Deus” sobre os inimigos de seu povo. Todo o capítulo 14, como se vê nos versículos: 1, 3, 9, 16, 19, 21 etc., demonstram apenas como Deus iria ajudar o seu povo a conquistar Jerusalém. Mais uma vez, portanto, a descontextualização é flagrante.

2.5 O Sermão Profético
Para fundamentar a atualidade da profecia de Jesus sobre as “tribulações”, os autores baseiam-se (p. 39) nos evangelhos de Mateus, capítulo 24; Marcos, capítulo 13 e Lucas, capítulo 21. Citam, principalmente, os versículos 6 e 8 do capítulo 24 de Mateus, que dizem: “E ouvireis de guerras e de rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim”. (Mateus 24:6).

“Mas todas estas coisas são o princípio de dores.” (Mateus 24:8).

Para justificar a “grande tribulação [...] os momentos mais terríveis pelos quais a Terra vai passar brevemente” (p. 40), valem-se de Lucas: “E haverá sinais no sol e na lua e nas estrelas; e na terra angústia das nações, em perplexidade pelo bramido do mar e das ondas”. (Lucas 21:25).

Esta última passagem de Lucas de fato é um tanto emblemática e não será analisada neste artigo. Todos os demais versículos reunidos transmitem a ideia de que grandes “tribulações” marcariam o fim dos tempos em acontecimentos futuros. Mas, o que os autores não mostraram?

Utilizando-se das mesmas referências originais, podemos ler em Mateus: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam”. (Mateus 24:34).

Em Marcos: “Na verdade vos digo que não passará esta geração, sem que todas estas coisas aconteçam”. (Marcos 13:30).

Em Lucas: “Em verdade vos digo que não passará esta geração até que tudo aconteça”. (Lucas 21:32).

Ou seja, na sequência natural dos capítulos, os próprios Evangelistas escrevem que, seja quando for, tais profecias se cumpririam ainda na presente geração. Dessa forma, como podem ser um anúncio para o futuro, ou ainda, como pretendem os autores (p. 40), para o século XX?

3.  DIVERGÊNCIAS:
3.1 Divergências em A Gênese
Ainda na introdução (p. 07), os autores citam um texto de A Gênese (itens 1 e 6 do capítulo XVIII), no qual se lê sobre as transformações que aguardariam a Terra, pois havia chegado o tempo de mudanças. Ressaltam que o processo de transformação era atual, não sendo, portanto, algo a se iniciar no futuro: encontrava-se em plena marcha, o que estou de acordo. Posteriormente (p. 08), os autores fazem crer que a suposta revelação de Chico Xavier sobre 2019, seja uma espécie de fase final do período de mudança assinalado pelos espíritos em A Gênese. O que há em comum entre as duas ideias? Posso resumir que ambas dizem que a humanidade irá melhorar-se continuamente, a ponto de, em dado momento, superar suas crises, inaugurando uma nova era de paz e prosperidade nunca antes vista na Terra. Mas, como isto se daria?

Segundo A Gênese de Allan Kardec (Cap. XVIII), cada vez mais, menos espíritos inclinados ao mal encarnariam e mais espíritos propensos ao bem viriam em seus lugares. Esse processo, consolidando-se através de várias gerações, povoaria nosso planeta de espíritos bons, que, parafraseando Carl Sagan, teriam mais de nossas virtudes e menos de nossas fraquezas. Contudo, segundo a tese apresentada pelos autores, isso também deve ocorrer. Porém, com um limite: se, até 2019, a humanidade não mergulhar em conflitos bélicos de grandes proporções ou numa guerra nuclear (p. 51), fantásticos progressos seriam vistos. Mas, se o contrário acontecer, as próprias “forças da natureza” poriam fim à guerra. Mergulharíamos em trevas profundas (p. 52), propensos a “terremotos gigantescos; maremotos e ondas (tsunamis) consequentes; veríamos a explosão de vulcões há muito extintos” etc.

Todavia, os trechos citados de A Gênese, isoladamente, levam a uma interpretação equivocada daquilo que dizem em seu contexto original, como se pode ver:   “Mas, uma mudança tão radical como a que se está elaborando não pode realizar-se sem comoções. Há, inevitavelmente, luta de ideias. Desse conflito forçosamente se originarão passageiras perturbações, até que o terreno se ache aplanado e restabelecido o equilíbrio. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos preditos e não de cataclismos ou catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais foram consequência do estado de formação da Terra. Hoje, não são mais as entranhas do planeta que se agitam: são as da Humanidade”. (Cap. XVIII, item 7).

Há outra referência muito precisa sobre o assunto, da qual vou expor apenas o necessário: “A Terra, no dizer dos Espíritos, não terá de transformar-se por meio de um cataclismo que aniquile de súbito uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma na ordem natural das coisas”. (Cap. XVIII, item 27).

“Tudo, pois, se processará exteriormente, como sói acontecer, com a única, mas capital diferença de que uma parte dos Espíritos que encarnavam na Terra aí não mais tornará a encarnar. Em cada criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e inclinado  ao  mal,  que  antes  nela  encarnaria, virá um Espírito mais adiantado e propenso ao bem”. (Cap. XVIII, item 27).

Torna-se textualmente evidente que, para Kardec, o processo de transformação da Terra causaria conflitos de ideias e revoluções humanas, mas não desastres naturais. Dessa forma, fica enfraquecida a iniciativa de usar o livro A Gênese como base à revelação apresentada.

3.2 Escolhas individuais, decisões coletivas?
Segundo Geraldo Lemes (p. 51), Chico Xavier teria dito: “Segundo a imposição do Cristo, as nações mais desenvolvidas e responsáveis da Terra deveriam aprender a se suportarem umas às outras, respeitando as diferenças entre si, abstendo-se de se lançarem a uma guerra de extermínio nuclear. A face da Terra deveria evitar a todo custo à chamada III Guerra Mundial”.

Essa opinião coloca como responsáveis pelo que ocorrer com o Planeta aqueles que governam as nações. Porém, logo em seguida, lê-se: “Ah! Geraldinho, caso a humanidade encarnada decida seguir o infeliz caminho da III Guerra Mundial, uma guerra nuclear de consequências imprevisíveis e desastrosas” [...] (p.52).

Ou ainda: “Como poderemos facilmente concluir, tudo dependerá, em última análise, de nossas próprias escolhas, enquanto entidades individuais ou coletivas, para nosso progresso e ascensão espiritual” [...] (p. 58).

Podemos facilmente compreender que o destino das nações está nas mãos dos governantes que podem de um momento para o outro, reverter o cenário mundial, declarando uma guerra de grande abrangência, ainda que protestem seus cidadãos. A história já nos mostrou isso. Mas, como explicar este aparente paradoxo? Como as decisões pessoais poderiam intervir neste processo? Estariam referindo-se às revoluções populares como recentemente vimos na chamada primavera Árabe?

Como eu poderia intervir caso algum país como a Coréia do Norte, por exemplo, decidisse declarar guerra contra a Coréia do Sul e isso – vamos supor – causasse um novo conflito global? Suspeito que uma grande parcela da população da Coréia do Norte não deseja um conflito dessa natureza, muito embora seus governantes talvez o façam.

Exemplos assim abundam pelo mundo e somos obrigados a refletir: Seria justo que a humanidade inteira sofresse por um conflito que talvez seja decidido por meia dúzia de pessoas? Por que, ao invés de mergulhar o mundo em sombras e ficarmos à mercê dos cataclismos, esses espíritos causadores de conflitos não sejam, como propõe a obra de Kardec, simplesmente retirados da Terra para um mundo mais adequado ao seu progresso  em vez de mergulhar toda a humanidade, por decisões que, provavelmente, não teríamos nenhum tipo de controle, em uma era de sofrimento inimaginável? E as perguntas continuam.

Não obstante esse paradoxo, outro me parece saltar aos olhos, quando se lê: “[...] Após o alvorecer do ano 2000 da Era Cristã, os espíritos empedernidos no mal e na ignorância não mais receberiam a permissão para reencarnar na face da Terra. Reencarnar aqui, a partir desta data, equivaleria a um valioso prêmio justo, destinado apenas aos espíritos mais fortes e preparados, que souberam amealhar, no transcurso de múltiplas reencarnações, conquistas espirituais relevantes como a mansidão, a brandura, o amor à paz e à concórdia fraternal entre povos e nações”. (p. 56).

Se, a partir do ano 2000, espíritos inclinados ao bem estão encarnando, em 2019 teremos apenas jovens com idade insuficiente para poderem administrar cargos de relevância nas decisões mundiais. Para ser presidente do Brasil, por exemplo, é necessário ter no mínimo 35 anos. O presidente mais jovem a assumir o poder foi Collor (1990) aos 40 anos de idade. O deputado mais jovem até o momento é Hugo Motta, que assumiu o poder aos 21 anos, etc. Que tipo de revolução poder-se-ia esperar dessa geração que supostamente está encarnando a partir de 2000? No momento em que escrevo, estamos no fim de Janeiro de 2012, e nestes 12 anos do novo século nada me leva a crer que uma revolução causada por essa faixa etária esteja por vir, mas posso estar errado.

Suponhamos, então, que desde o ano 2000 estejamos lidando com espíritos muito adiantados que possuem “conquistas espirituais relevantes como a mansidão, a brandura, o amor à paz e à concórdia fraternal entre povos e nações” (p. 56). Seria justo que essa geração de espíritos sofresse, como no exemplo anterior, os resultados de ações que provavelmente não teriam nenhum controle? Isto é, espíritos que viriam nos ajudar com seus bons pendores a desenvolver o mundo sofreriam, juntamente com os demais, um turbilhão de consequências sobre as quais não tiveram responsabilidade?

4.  REVELAÇÃO ou REINTERPRETAÇÃO?
Se houvesse algum momento a partir da década de 1970 para que tal revelação pudesse ser dita de forma ampla para uma grande parcela da população brasileira, espírita e não espírita qual seria o momento ideal? Essa perguntou norteou meus pensamentos em busca de evidências de que, talvez, Chico Xavier tivesse feito menção à revelação. Tal situação parece ter ocorrido em 1971, no programa Pinga-Fogo, no qual se podem ver duas ocasiões que possuem grande semelhança com o relato de Geraldo Lemes.

Na edição de 1971, Helle Alves pergunta a Chico Xavier (34 min.), sobre o avanço da humanidade, como afirmam os espíritas e outras correntes espiritualistas, fazendo um comparativo com as recentes guerras e crises, que não favoreciam a concepção de um melhoramento progressivo da Humanidade. Como Chico Xavier explicaria esse paradoxo? A resposta é transcrita abaixo conforme consta no áudio original: “Esses fenômenos todos, diz nosso Emmanuel, que está presente, caracterizam mesmo o período de transformação em que nós nos encontramos. Diz ele: O nosso companheiro materialista, dirá: Natureza! – Mas, para nós, os religiosos, natureza é sinônimo de manifestação de Deus! Então, Deus cria a natureza, Deus cria a vida, mas o homem, os homens ou as mulheres do planeta, são filhos de Deus e podem modificar a criação de Deus. Nós nos encontramos no limiar de uma era extraordinária, se nos mostrarmos, capacitados coletivamente a recebê-la com a dignidade devida. Se, os países mais cultos do globo, puderem suportar a pressão de seus próprios problemas sem entrar em choques destrutivos, como por exemplo, guerras de extermínio, que deixarão consequências, imprevisíveis para nós todos no planeta [...] Então, veremos uma era extraordinariamente maravilhosa. A própria automação, diz ele [Emmanuel], nos está dizendo, que nós vamos ser aliviados ou quase que aposentados do trabalho mais rude no trato com o planeta, para a educação da nossa vida mental, através de informações do universo, com o proveito enorme, proveito incalculável, para beneficio da humanidade. Mas, isso terá um preço, terá o preço da paz. Se nós pudermos nos suportarmos uns aos outros, quando não nos pudermos amarmos uns aos outros, segundo os preceitos de Jesus, até que essa era prevaleça, provavelmente no próximo milênio, não sabemos se no princípio, se no meados ou se no fim. O terceiro milênio nos promete maravilhas. Mas, se o homem, filho e herdeiro de Deus, também se mostrar digno dessas concessões”.

Em outro momento, Saulo Gomes lê a pergunta de Luiz Lopes Correia (49 min), em que ele questiona se a humanidade entraria em contato com civilizações de outros planetas em tempo breve. Chico Xavier responde: “Estamos subordinando a resposta ao mesmo critério com que foi estruturada a informação para a nossa estimada entrevistadora [Helle Alves] que falou sobre a nova era…” Se, não entramos numa guerra de extermínio, nos próximos 50 anos, então, nós podemos esperar realizações extraordinárias da ciência humana partindo da lua. Então, diz o nosso Emmanuel, que está presente, que quando Cristovam Colombo perambulava pelas cortes Europeias, pedindo socorro para descobrir um caminho mais fácil para as Índias, muita gente considerou o programa dele como absolutamente inútil à humanidade, que aquilo era uma despesa absolutamente inócua e que iria pesar demasiadamente no orçamento de qualquer povo, até que ele conseguisse o apoio de Fernando e Isabel, então soberanos de Castela. Mas, nós hoje sabemos, depois de cinco séculos quase – mais de quatro séculos – a importância do feito. Então, nós não podemos também acusar os nossos irmãos que estão se dirigindo à lua para pesquisas que devem ser consideradas da máxima importância para o nosso progresso futuro, porque as despesas efetuadas com isso serão naturalmente compensadas com, talvez, a tranquilidade para uma sociedade mais pacífica na Terra, porque se não entrarmos, por exemplo, num conflito de proporções imensas, então, na lua, é possível que o homem construa as cidades de vidro, as cidades estufas, onde cientistas possam estabelecer pontos de apoio para observação da nossa galáxia. Essas cidades não são sonhos da ciência! Essas cidades, naturalmente, com muito sacrifício da humanidade Terrestre, podem ser feitas e, provavelmente, vamos dizer, vai se obter, azoto e oxigênio e usinas, vamos dizer, de alumínio, e formações de vidro e matéria plástica da própria lua para construção destes redutos da ciência Terrestre e, provavelmente, a água será fornecida pelo próprio solo lunar. Então, teremos, quem sabe, a possibilidade de entrar em contato com outras comunidades da nossa galáxia. Então, vamos, definitivamente, encerrar o período bélico na evolução dos povos Terrestres, porque nós vamos compreender que fazemos parte de uma família Universal, que não somos o único mundo criado por Deus. O próprio Jesus, a quem reverenciamos como nosso Senhor e Mestre, disse: Há muitas moradas na casa de meu Pai. Portanto, nós precisamos prestigiar a paz dos povos, a tranquilidade de todos, com o respeito de todos, com a veneração máxima pela ciência, para que nós possamos auferir esses benefícios no futuro, talvez, mais próximo do que remoto. Se ‘nós fizermos por merecer’.

Eu não saberia dizer até que ponto tais informações eram mesmo previsões ou não mais do que projeções, expectativas, que, à época, se tinha sobre a tecnologia e o avanço da humanidade. É curioso, no entanto, observar:
a) a importância da chegada do homem à Lua;
b) o prazo de 50 anos para mudança de comportamento;
c) a não concretização de uma nova grande guerra;
d) as consequências positivas da não realização de uma grande guerra, que são a essência da revelação trazida por Geraldo Lemes, encontram-se integralmente na resposta de Chico Xavier, 40 anos antes.

Apenas detalhes como:
a) a reunião de espíritos angélicos na chegada do homem à Lua;
b) as consequências negativas de uma Guerra Mundial ou nuclear;
c) O papel do Brasil (não abordado neste artigo, por considerar este quesito especulação de uma especulação)
d) os cataclismos decorrentes de uma Guerra Mundial;
e) a reencarnação a partir do ano 2000 de espíritos bons;
f) o período em torno de 1000 anos para recuperação da humanidade, caso o prazo de 50 anos não seja cumprido, é que não foram abordados nesse programa.

Dessa forma, pergunto-me: Seria a revelação de Geraldo Lemes não mais do que um enredo que tem por base as informações que Chico Xavier trouxe no programa Pinga-Fogo, em 1971?

5.  CONCLUSÃO:
A análise da obra “Não será em 2012”, na qual é dada publicidade a uma suposta revelação feita por Chico Xavier a Geraldo Lemes sobre o futuro da humanidade, possibilita observar uma série de argumentos pouco embasados, interpretações bíblicas tendenciosas, além de evidências de que elementos essenciais da “revelação” já haviam sido expostos em 1971, durante o programa Pinga-Fogo, cujo entrevistado era Chico Xavier.

Não foi encontrada nenhuma evidência forte o suficiente para crer que tal revelação tenha ocorrido sendo preciso confiar no relato unilateral de Geraldo Lemes ou nas correlações estabelecidas por Marlene Nobre no Jornal A Folha Espírita, cujos textos formam a base do livro. Também não foi satisfatoriamente respondido o motivo pelo qual tal “revelação” ter sido ocultada do público durante tanto tempo.

Antes da publicação deste artigo, um e-mail foi encaminhado para a editora a fim de que os erros encontrados (data da profecia Maia (p. 13); data da chegada do homem à Lua (p. 50) e a grafia do nome “Deodoro da Fonseca” (p.69)) possam ser corrigidos nas edições futuras.

POR LEONARDO MONTES

FONTE:

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