A porta estreita

Você que escolhe em qual entrar, é sempre assim...
Buscando correlacionar passagens evangélicas, uma análise precipitada pode indicar incoerências entre os ensinos de Jesus. Se, por exemplo, na passagem sobre o jugo leve (Mateus 11:28-30), Jesus promete alívio e repouso, por Seu caminho ser o mais suave, a passagem sobre a porta estreita pode levar a crer que o caminho do Bem é difícil.


Analisemos esta passagem:

“Entrai pela porta estreita (larga é a porta e espaçosa a estrada que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela), porque estreita é a porta e apertada a estrada que conduz à vida, e poucos são os que acertam com ela.” (Mateus 07:13-14)

Allan Kardec, a respeito dessa passagem, pondera [1]: “Larga é a porta da perdição, porque são numerosas as paixões más e porque o maior número envereda pelo caminho do mal. É estreita a da salvação, porque a grandes esforços sobre si mesmo é obrigado o homem que a queira transpor, para vencer suas más tendências, coisa a que poucos se resignam. É o complemento da máxima: ‘Muitos são os chamados e poucos os escolhidos.’ Tal o estado da Humanidade terrena, porque, sendo a Terra mundo de expiação, nela predomina o mal. Quando se achar transformada, a estrada do bem será a mais frequentada. Aquelas palavras devem, pois, entender-se em sentido relativo e não em sentido absoluto. Se houvesse de ser esse o estado normal da Humanidade, teria Deus condenado à perdição a imensa maioria das suas criaturas, suposição inadmissível, desde que se reconheça que Deus é todo justiça e bondade.”

A “porta larga” é a do Bem ou a contrária às leis de Deus? Isso é decisão que depende da Humanidade que habita um determinado mundo. Assim, em um mundo onde a maioria das pessoas, encarnadas ou não, costuma ceder a suas paixões, pensamentos e ações viciosas, com foco maior em ambições mundanas e menor na caridade e na preocupação com o bem-estar do outro, a “porta larga” é a que leva ao caminho que atrasa sua marcha evolutiva. Ao contrário, em um mundo onde a maioria de seus Espíritos escolhe se esforçar e efetivar a vitória sobre suas más tendências, a “porta larga” é a do Bem. Essa é a transição em que se encontra o planeta Terra atualmente — e depende exclusivamente de nossa decisão por nossa evolução moral, nossa Reforma Íntima.


Sendo nós criaturas em fase de aperfeiçoamento, oscilamos entre a escolha por uma e outra “porta”, às vezes conseguindo vencer nossos maus pendores, outras vezes cedendo às nossas imperfeições. Nosso trabalho de reforma íntima visa a escolher, em definitivo, a “porta” do Bem.

Deus, certamente, não nos condenou à perdição. Todos nós, mais cedo ou mais tarde, dependendo de nossas escolhas, tomaremos o caminho do Bem. Nos ensinos de Jesus, que aprendemos em Mateus, capítulo 18, versículos 12 a 14:

“Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixa as noventa e nove e vai aos montes procurar a que se extraviou? Se acontecer achá-la, em verdade vos digo que se regozija mais por causa desta, do que pelas noventa e nove que não se extraviaram. Assim não é da vontade de vosso Pai que está nos céus, que pereça um destes pequeninos.”

Nossa missão, ou nosso fardo, pode ser executada sob um conjunto de Leis, ou um jugo, que abrevia decepções e desilusões do foco exclusivo na vida material e imediatista. Tudo depende da nossa decisão de seguir o caminho do Bem.

O desapego ao material não implica desprezar nem a vida encarnada na Terra, nem a necessidade de utilizarmos os recursos materiais para executar nossa missão neste Planeta. Os bens materiais, em si, não são bons ou maus; apenas devem servir a nosso propósito de fazer o melhor ao próximo e a nós mesmos. Ser possuidor de dinheiro não implica perdição; o erro é quando não sabemos mais se somos donos do dinheiro ou se ele é nosso dono.

A Boa-Nova é uma mensagem de alegria e esperança, que diz que nossas dificuldades podem ser superadas com uma visão otimista. Apesar de haver a dor da nossa saída da “zona de conforto”, não são necessários o sofrimento e a culpa para que se faça a evolução. A transposição da “porta estreita” não pode ser vista como uma decisão dura, difícil, que exige sofrimento. Exige escolhas conscientes, que levarão a renúncias de hábitos de uma Humanidade ainda infantil, mas não deve ser uma escolha sofrida, do contrário demonstra que ainda não se aprenderam a finalidade e os benefícios de tais renúncias.

Allan Kardec, em mensagem por ele enviada por via mediúnica pouco após seu retorno à Pátria Espiritual, ocorrido em 31 de março de 1869, e registrada na “Revista Espírita” de maio do mesmo ano [2], ressaltou a necessidade do esforço para, pelo Bem, evoluirmos, como vemos abaixo, em trecho dessa mensagem:

“Na fase nova em que entramos, a energia deve substituir a apatia; a calma deve substituir o ímpeto. Sede tolerantes uns para com os outros; agi sobretudo pela caridade, pelo amor, pela afeição. Oh! se conhecêsseis todo o poder desta alavanca! Foi essa alavanca que levou Arquimedes a dizer que com ela levantaria o mundo! Vós o levantareis, meus amigos, e esta transformação esplêndida, que será efetuada por vós em proveito de todos, marcará um dos mais maravilhosos períodos da história da Humanidade.

Coragem, pois, e esperança. Esperança!... Esse facho que os vossos infelizes irmãos não podem perceber através das trevas do orgulho, da ignorância e do materialismo, não o afasteis ainda mais de seus olhos. Amai-os; fazei com que vos amem, vos ouçam, vos olhem! Quando tiverem visto, ficarão deslumbrados.

Então, meus amigos, meus irmãos, como eu seria feliz ao ver que os meus esforços não foram inúteis e que o próprio Deus abençoou a nossa obra! Nesse dia haverá no céu uma grande alegria, um grande êxtase! A Humanidade estará livre do jugo terrível das paixões que a acorrentam e oprimem com um peso esmagador. Então não mais haverá na Terra o mal, nem o sofrimento, nem a dor; porquanto os verdadeiros males, os sofrimentos reais, as dores cruciantes vêm da alma. O resto não passa do leve roçar de um espinho sobre as vestes!...

Ao clarão da liberdade e da caridade humanas, todos os homens, reconhecendo-se, dirão: ‘Somos irmãos’ e só terão no coração um mesmo amor, na boca uma só palavra, nos lábios um só murmúrio: Deus!
Allan Kardec”

Por Carla e Hendrio


Referências:

[1] KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 97ª ed. RIO DE JANEIRO, FEB: 1987. Capítulo XVIII (“Muitos os chamados, poucos os escolhidos”), item 5.
[2] KARDEC, Allan. “Revista Espírita de maio de 1869”. São Paulo, SP: IDE, 1993. “Dissertações Espíritas”.

Fonte: http://licoesdosespiritos.blogspot.com.br

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