ENTRARÃO NO REINO DOS
CÉUS.”
E.S.E. Capítulo, 18.
Que conceito afinal devemos ter sobre ser espírita?
Será
coerente e proveitoso admitirmos, junto aos roteiros educativos da Doutrina
Espírita, a figura tradicional do religioso não-praticante?
Será que devemos
oficializar essa expressão a fim de prestigiar aqueles que ainda não se julgam
espíritas? Essas são mais algumas indagações a cogitar na formação de uma ideia
mais lúcida sobre a natureza da proposta educativa do Espiritismo para a
humanidade.
Ouve-se,
com certa frequência nos ambientes doutrinários, algumas frases que expressam
dúbias interpretações sobre o que seja ser espírita. Companheiros que ainda não
se sentem devidamente ajustados aos parâmetros propostos pelos roteiros da
codificação dizem: “ainda não sou espírita, estou tentando!”, outros, desejosos
em amealhar algum crédito de aceitação nos grupos, dizem: “Quem sou eu para ser
espírita?!” ou “Quem sabe um dia serei!”
Com
todo respeito a quaisquer formas de manifestar sobre o assunto, não podemos
deixar de alertar que somente uma incoerência de conceitos pode ensejar ideias
dessa natureza, agravadas pela possibilidade de estarmos prestigiando o
indesejável perfil do ativista não-praticante, aquele que adere à filosofia,
mas não assume em si mesmo os compromissos que ela propõe.
Ser
espírita é algo muito dinâmico e pluridimensional; tentar enquadrar esse
conceito em padrões rígidos é repetir velhos procedimentos das práticas
exteriores do religiosíssimo milenar. Nossas vivências nesse setor levaram-nos
a adotar, como “critério de validade”, alguns parâmetros muito vagos e
dogmáticos para aferir quem seria verdadeiramente seguidor do bem e da mensagem
do Cristo. Parâmetros com os quais procuramos fugir das responsabilidades
através da criação de artifícios para a consciência, gerando facilidades de
toda espécie através de rituais e cerimônias que entronizaram o menor esforço
nos caminhos da espiritualização humana.
Ser
espírita é ser melhor hoje do que ontem, e buscar amanhã ser melhor do que
hoje; é errar menos e acertar mais; é esforçar pelo domínio das más inclinações
e transformar-se moralmente, conforme destaca Kardec. Nessa ótica, temos que
admitir uma classificação muitíssimo maleável para considerar quem é e quem não
é espírita.
Façamos
assim algumas reflexões puramente didáticas sobre esse tema, sem qualquer
pretensão de conclui-lo, mas com intenção cristalina de “problematizar” nossos
debates fraternos. Tomemos por base o tema da transformação íntima, o qual deve
sempre ser a referência prioritária na melhor assimilação do que propõe a
finalidade do Espiritismo.
1 - Em primeira etapa,
a criatura chega à casa espírita.
2 - Em uma segunda
etapa, o conhecimento doutrinário penetra os meandros da inteligência,
3 - E na terceira fase,
a mais significativa, o Espiritismo brota de dentro dela para espraiar-se no
meio onde atua, gerando crescimento e progresso.
São
três etapas naturais que obedecem ao espírito de sequência da qual ninguém
escapa. Fases para as quais jamais poderemos definir critérios de tempo e
expectativa para alguém, a não ser para nós próprios. Fases que geram responsabilidade
a cada instante de contato com as Verdades imortais, mas que são determinadas,
única e exclusivamente, pela consciência individual, não sendo prudente
estabelecer o que se espera desse ou daquele coração, porque cada qual
enfrentará lutas muito diversificadas nos campos da vida interior.
Portanto,
o critério moral deve preponderar a qualquer noção pela qual essa ou aquela
pessoa utilize para se considerar espírita. Nessa ótica encontramos o “espírita
da ação”, aquele batalhador, tarefeiro, doador de bênçãos, estudioso, que
movimenta em torno das práticas. Temos também o “espírita da reação”, aquele
que reage de modo renovado aos testes da vida em razão de estar aplicando-se
afanosamente à melhoria de si mesmo. Sem desejar criar rótulos e limitações indesejáveis,
digamos que o primeiro está conectado com o movimento espírita, enquanto o
segundo com a mensagem espírita. O movimento é a ação dos homens na comunidade,
enquanto a mensagem é a essência daquilo que podemos trazer para a intimidade a
partir dessa movimentação com o meio. O ideal é que, através da escola da ação
no bem, se consolide o aprendizado das reações harmonizadas na formação da
personalidade ajustada com a Lei Natural do amor.
O
espírita não é reconhecido somente nos instantes em que encanta a multidão com
sua fala ou quando arrecada gêneros na campanha do quilo, ou ainda por sua
lavra inspirada na divulgação, ou mesmo pela tarefa de direção. Essas são ações
espíritas salutares e preparatórias para o desenvolvimento de valores na alma,
mas o serviço transformador do campo íntimo, que qualifica o perfil moral do
autêntico espírita, é medido pelo modo de reagir às circunstâncias da
existência, pelo qual testemunha a intensidade dos esforços renovadores de
progresso e crescimento a que se tem ajustado. Pelas reações mensuramos se
estamos ou não assimilando no mundo íntimo as lições preciosas da
espiritualização. A ação avalia nossas disposições periféricas de melhoria,
todavia somente as reações são o resultado das mudanças profundas que, somente
em situações adversas ou na convivência com os contrários, temos como aquilatar
em que níveis se encontram.
Melhor
seria que não aderíssemos à ideia incoerente do “espírita não-praticante” para
não estimular as fantasias do menor esforço que ainda são fortes tendências de
nossas vivências espirituais. A definição por um posicionamento transparente
nessa questão será uma forma de estimular nossa caminhada. Razão pela qual
devemos ser claros e sem subterfúgios ao declarar nossa posição frente aos
imperativos da vivência espírita. A costumeira expressão: “estou tentando ser
espírita”, na maioria das ocasiões, é mecanismo psicológico de fuga da
responsabilidade, é a criatura que sabe que não está fazendo tanto quanto
deveria, conforme seus ditames consciências, se justificando perante si mesmo e
os outros.
Libertemo-nos
das capas e máscaras e cultivemos nas agremiações kardequianas o mais límpido
diálogo sobre nossas necessidades e qualidades nas lutas pelo aperfeiçoamento.
Formaremos assim uma “corrente de autenticidade e luz” que se reverterá em
vigorosa fonte de estímulo e consolo às angústias do crescimento espiritual.
Deixemos
de lado essa necessidade insensata de definirmos conceitos estreitos e “padrões
engessados” que não auxiliam a sermos melhores que somos. Aceitemos nossas
imperfeições e devotemo-nos com sinceridade e equilíbrio ao processo renovador.
Estejamos convictos de um ponto em matéria de melhoria espiritual: só faremos e
seremos aquilo que conseguimos, nem mais nem menos. O importante é que sejamos
o que somos, sem essa necessidade injustificável de ficar criando rótulos para
nossos estilos ou formas de ser.
Certamente
em razão disso o baluarte dos Gentios asseverou em sua carta aos Coríntios,
capítulo 15 versículos 9 e 10:
“Não sou digno de ser
chamado apóstolo, mas,
pela graça de Deus, já
sou o que sou.”
Pelo Espírito Ermance
Dufaux
FONTE:
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