Deus é impessoal, entenda isso! |
Há alguns anos, em uma palestra num centro espírita sobre o tema Evolução, um dos pilares básicos do Espiritismo, após expor em linhas gerais a teoria da Seleção Natural, o evolucionismo de Charles Darwin/Russel Wallace, uma senhora ex-católica;
Bastante esclarecida, ficou indignada ao concluir que, pela exposição, não teria havido um momento em que Deus criou o homem e a mulher. Ou seja, Adão e Eva são figuras míticas, como se fossem personagens de contos de fadas, de contos da carochinha. Não existe na trajetória do ser humano sobre a Terra aquele momento mágico, tipo Fiat Lux, em que Deus faz o homem do barro e, depois, de sua costela cria a mulher. Deus não criou o homem nem a mulher. Neste quesito, a ação divina é inútil. Para desespero das religiões, o ser humano é produto da seleção natural e não da ação divina.
Por
sua vez, o Espiritismo ensina, de modo bastante didático e sintético, que Deus
cria os espíritos simples e ignorantes. No entanto, não há como precisar em que
momento a simplicidade moral e a ignorância intelectual se manifestam, pois a
evolução do princípio inteligente, seu surgimento, se perde na noite dos
tempos. Quando e como são criados os espíritos, se é que o são, constitui-se
num mistério. E chega a ser um problema para aqueles que, ao tomarem contato
com o Espiritismo, buscam nele consolo e esclarecimento para suas dúvidas
existenciais. O Deus que essas pessoas vão encontrar na filosofia kardecista é
radicalmente diferente do Deus das religiões, especialmente as monoteístas.
Ainda que a linguagem adotada na análise de Deus seja bastante influenciada
pelo cristianismo, fica difícil para uma pessoa comum e religiosa, compreender
o Deus que os espíritos e Kardec ensinam.
Na
verdade, o Deus que as pessoas querem, conforme o desejo daquela senhora
ex-católica, é aquele que julga, castiga, abençoa, perdoa, enfim, um Deus
atuante, que interfere no destino do ser humano e do mundo. É um Deus que
possui atributos, que cuida de suas criaturas: “o senhor é o meu pastor, nada
me faltará”, diz o Salmo. Não existe lugar para o acaso, para fatos aleatórios,
pois não há uma folha que caia da árvore sem que Deus saiba. De Deus, as
pessoas esperam perdão, milagres, justiça.
É
justamente esse mesmo Deus que os criacionistas imaginam como um grande arquiteto,
um relojoeiro que projeta e constrói a natureza, no que chamam de design
inteligente, tentando inutilmente se contrapor a essa grande conquista da
humanidade: a evolução. É o criacionismo bíblico travestido de cientista, como
o lobo em pele de cordeiro.
Quanto
às religiões monoteístas, cada qual tem o seu Deus exclusivo. Todavia, eles não
são tão diferentes entre si. O Deus judeu não é tão diferenciado assim do Deus
cristão, que por sua vez nada fica a dever ao Deus muçulmano. Jeová, Deus ou
Alá são apenas nomes a designarem um Ser Divino criado à nossa imagem e
semelhança, e não o inverso como está na Bíblia.
Esse
Deus é uma invenção humana, nunca existiu. Não existe um Deus-Juiz, assim como
nunca existiu um Deus-Criador. O Deus que Nietzsche diz estar morto, é
justamente esse Deus humano, demasiadamente humano, que nada tem a ver com a
ideia de uma Inteligência Suprema, de uma Grande Consciência Universal.
Acreditar
num Deus que não julga, não condena, não cria, não abençoa etc. não é nada
fácil. E não precisa ser religioso para ser deísta. Aliás, seria melhor não
sê-lo, a fim de se entender um Deus não-antropomórfico, isto pela via racional
e não pela fé cega. Caso existisse, ele
seria, na verdade, um Deus inútil, insensível às nossas preces, inativo, ocioso,
que não intervém na natureza, no mundo que não criou. É um Deus descartável
diante do anseio de que há uma força poderosa a nos guiar, que nos abençoa e
dirige nossas vidas.
Os
cristãos dizem que Deus age em nossa existência quando estamos com o coração
aberto e impregnado de fé, crentes em sua ação divina, poderosa. Quando há o
orgulho e vaidade, Deus afasta-se de nós. O vulgo chega a imaginá-lo como um
velhinho de barbas brancas, de olhar bondoso ou severo, quando contrariado.
Pois é esse Deus antropomórfico que as religiões, especialmente as cristãs,
querem que seja ensinado nas aulas de Religião, o que seria um grande
retrocesso em face do avanço social conquistado pelo laicismo, com a
imprescindível separação entre a Religião e o Estado.
Em
que pese a linguagem maculada pelo cristianismo e as tentativas de dotar a
divindade de atributos, a concepção espírita de Deus mostra-se radicalmente
contrária às concepções teológicas sobre a divindade, ao dogmatismo cristão e
concepções teístas que fazem de Deus um ser antropomórfico. O Deus que Allan
Kardec e os espíritos ensinam é semelhante ao Deus de Leibniz, de Newton e, de
certo modo, de Espinosa. Sem aderir ao panteísmo, como fez Espinosa, a suposta
ação divina manifesta-se mediante leis naturais, da qual a Seleção Natural é
uma delas, assim como a Lei da Gravidade e também o que o Espiritismo denomina
de Leis Morais.
Na
história da Humanidade nunca existiu algum povo que fosse ateu. O ateísmo é um
fenômeno recente. Essa busca do divino, do transcendente, natural no ser
humano, é um fato instintivo. Assim como o instinto de conservação, o de
reprodução, o princípio inteligente tem em sua estrutura, no seu âmago, o que o
Espiritismo denomina de instinto
de adoração. Ou seja, a religião não é tão-somente um fato cultural, ela
se origina dessa necessidade básica, instintiva do ser humano em buscar o sagrado,
a transcendência, que muitos denominam de religiosidade ou espiritualidade,
termo este mais adequado e menos comprometido. A religião não surge somente do
medo, como diz Bertrand Russel, mas fundamentalmente desse sentimento íntimo,
instintivo, cravado na consciência de todos nós.
“O
novo pensar sobre Deus tenta harmonizar a presença divina e as necessidades do
ser humano, oferecendo um conjunto de leis e sistemas vivenciais que abrem
oportunidade de resolução dos problemas”, afirmou com muita propriedade o
escritor espírita Jaci Regis (Novo Pensar - Deus, Homem e Mundo). O Deus que o
Espiritismo pode oferecer às pessoas não é antropomórfico, não julga nem
condena, mas oportuniza, não como um ser, mas como uma Inteligência Primordial,
Suprema, através das leis
naturais.
Por Eugenio Lara
FONTE: www.viasantos.com
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