Será que uma gestação interrompida devido a abortamento não induzido ou involuntário deve ser vista necessariamente como uma frustração para os pais e para o Espírito cujo corpo denso fora abortado?
Uma doença congênita, que leve o reencarnante a óbito nos primeiros dias de nascimento ou mesmo durante a gestação, decorre de “falta de sorte genética”? Quando começa o planejamento reencarnatório: quando o Espírito é efetivamente ligado ao feto após a fecundação da célula-ovo, ou antes disso?
Pouquíssimo sabemos dos desígnios divinos, e menos ainda sabemos da história de vidas de cada um dos bilhões de seres, encarnados e desencarnados, que habitam a Terra, inclusive a nossa própria história pessoal de incontáveis existências corpóreas, neste planeta e em outros orbes antes deste. Incorreto é, portanto, fazerem-se generalizações. Verifiquemos as orientações dos Espíritos da falange do Consolador, bem como exemplos em obras espíritas subsidiárias, e tracemos algumas hipóteses, cônscios de nosso limitado alcance acerca da justiça de Deus.
Consciência, perispírito e enfermidade
Encontramos, à questão 166 de “O Livro dos Espíritos”, que uma alma que não alcançou a perfeição durante a vida corpórea, se depura pela prova de nova existência. A Doutrina Espírita ensina que o corpo físico é modelado por uma estrutura semimaterial, denominada perispírito. Diversas passagens da Codificação Espírita no-lo indicam, como, por exemplo, em “O Livro dos Espíritos”, à questão 135 e no item 257 (“Ensaio teórico da sensação nos Espíritos”). O que nossa consciência carrega de ações mais ou menos felizes impacta essa estrutura semimaterial, por isso há impacto, também, no corpo físico. Danos ao perispírito, muitas vezes, demandam diversas etapas de interação com a matéria densa, para serem sanados. Pode-se comparar o processo a um enxerto de pele ou osso em uma lesão, no qual sejam necessárias diversas operações, cada uma efetuando um passo adiante na reconstituição do dano. A duração nessas internações na matéria varia com a necessidade, podendo ser de vários anos após o nascimento a poucas horas de gestação, visando a um melhoramento no modelador biológico do Espírito em tratamento. Relevante é perceber que mesmo uma curta gestação, aparentemente fracassada em um aborto espontâneo, pode trazer enormes benefícios a um Espírito em processo de reconstituição de seu perispírito.
André Luiz orienta [1], a esse respeito: “Na Espiritualidade, os servidores da Medicina penetram, com mais segurança, na história do enfermo para estudar, com o êxito possível, os mecanismos da doença que lhe são particulares. Aí, os exames nos tecidos psicossomáticos com aparelhos de precisão, correspondendo às inspeções instrumentais e laboratoriais em voga na Terra, podem ser enriquecidos com a ficha cármica do paciente, a qual determina quanto à reversibilidade ou irreversibilidade da moléstia, antes de nova reencarnação, motivo por que numerosos doentes são tratáveis, mas somente curáveis mediante longas ou curtas internações no campo físico, a fim de que as causas profundas do mal sejam extirpadas da mente pelo contato direto com as lutas em que se configuraram.”
O mesmo autor espiritual apresenta outro exemplo [2] em que um Espírito requer mais de uma reencarnação para retificar seu perispírito, nas orientações recebidas do Espírito Clarêncio acerca de paciente denominado Júlio: “Desentendendo-se com alguns laços afetivos do caminho, no século passado, confiou-se a extrema revolta, aniquilando o veículo físico que lhe fora emprestado por valiosa bênção. Rendendo-se à paixão, sorveu grande quantidade de corrosivo. Salvo, a tempo, sobreviveu à intoxicação, mas perdeu a voz, em razão das úlceras que se lhe abriram na fenda glótica. Ainda aí, não se conformando com o auxílio dos colegas que o puseram fora de perigo, alimentou a ideia de suicídio, sem recuar. Foi assim que, não obstante enfermo, burlou a vigilância dos companheiros que o guardavam e arrojou-se a funda corrente de um rio, nela encontrando o afogamento que o separou do envoltório carnal. Na vida espiritual, sofreu muito, carregando consigo as moléstias que ele mesmo infligira à própria garganta e os pesadelos da asfixia, até que reencarnou, junto das almas com as quais se mantém associado para a regeneração do pretérito. Infelizmente, porém, encontra dificuldades naturais para recuperar-se. Lutará muito, antes de incorporar-se a novo patrimônio físico. (...) Júlio renascerá num equipamento fisiológico deficitário que, de algum modo, lhe retratará a região lesada a que nos reportamos. Sofrerá intensamente do órgão vocal que, sem dúvida, se caracterizará por fraca resistência aos assaltos microbianos, e, em virtude de o nosso amigo haver menosprezado a bênção do corpo físico, será defrontado por lutas terríveis, nas quais aprenderá a valorizá-lo.”
Na esclarecedora obra “Memórias de um Suicida” [3], Camilo Cândido Botelho, pela mediunidade de Yvonne do Amaral Pereira, orienta, a respeito da reconstituição da energia vital de suicidas: “A Excelsa Misericórdia encaminha, geralmente, tais casos, tidos como os mais graves, a reencarnações imediatas onde o delinquente completará o tempo que lhe faltava para o término da existência que cortou. Conquanto muito dolorosas, mesmo anormais, tais reencarnações serão preferíveis às desesperações de além-túmulo, evitando, ao demais, grande perda de tempo ao paciente. (...) O perispírito não teve forças vibratórias para modelar a nova forma corpórea, a despeito do auxilio recebido dos técnicos do mundo Invisível. Assim, concluirão o tempo que lhes faltava para o compromisso da existência prematuramente cortada, corrigirão os distúrbios vibratórios e, logicamente, sentir-se-ão aliviados. Trata-se de uma terapêutica, nada mais, recursos extremos exigidos pela calamidade da situação.”
Não associemos todo evento de aborto espontâneo a um suicídio em vida pregressa. Generalizar ou buscar “tabular” causas e consequências induz a conclusões errôneas e, não raro, injustas. Este é apenas um exemplo de causa de dano ao perispírito. Lembremos que toda atitude desarmônica pode danificar nossa energia vital, e desencarnações prematuras por mau uso de nossa vitalidade ao longo dos anos são vistas como formas lentas de extinção voluntária da vida. Temos todos de reparar nossos próprios erros, como orientam os Espíritos à questão 1013 de “O Livro dos Espíritos”, sobre o que se deve entender por purgatório: “Dores físicas e morais: o tempo da expiação. Quase sempre, na Terra é que fazeis o vosso purgatório e que Deus vos obriga a expiar as vossas faltas.”
Doença congênita não é, portanto, “falta de sorte genética”, pois Deus não nos abandona à sorte; esses eventos devem ser encarados como parte de um projeto de evolução moral. Moléstias não são castigos, mas sim provas ou expiações para o reencarnante e/ou família, visando sempre à melhora de todos no campo moral. Não se espera uma “alegria” com a constatação da doença, mas sim a resignação com a certeza de superação do desafio, ainda que a cura se concretize após aquela vida física.
A desistência da prova
Havendo danos no perispírito do reencarnante, os quais venham a inviabilizar seu nascimento saudável, pode ocorrer de o Espírito que sofre este processo desistir de passar pelo mesmo, apesar de essa ocorrência ser útil à sua reconstituição. Assim orientam os Espíritos superiores, à questão 348 de “O Livro dos Espíritos”, sobre se o Espírito reencarnante pode saber, previamente, que seu futuro corpo é inviável: “Sabe-o algumas vezes; mas, se nessa circunstância reside o motivo da escolha, isso significa que está fugindo à prova.” Ser bem sucedido não corresponde apenas a nascer saudável, mas a se melhorar, evoluir. Se, para tal melhora, se fazem necessários breves estágios de contato perispiritual com a matéria densa, desistir dessas etapas é fugir ao tratamento, evadir-se à prova, atrasar sua marcha evolutiva.
Lemos, à questão 345 da obra supracitada, que, “(...) como os laços que ao corpo o prendem são ainda muito fracos, facilmente se rompem e podem romper-se por vontade do Espírito, se este recua diante da prova que escolheu. Em tal caso, porém, a criança não vinga.” Todavia, não há como outro Espírito passar a ocupar o corpo destinado ao Espírito que desistiu de reencarnar.
As orientações constantes da questão 355 do mesmo livro indicam haver, de fato, crianças que, já no ventre materno, não são viáveis biologicamente: “(...) Deus o permite como prova, quer para os pais do nascituro, quer para o Espírito designado a tomar lugar entre os vivos.” A pergunta de número 356 indica, também, haver natimortos não destinados à encarnação de Espíritos, ocorrência a qual, não obstante, também traz utilidade evolutiva: “Alguns há, efetivamente, a cujos corpos nunca nenhum Espírito esteve destinado. Nada tinha que se efetuar para eles. Tais crianças então só vêm por seus pais.” Mesmo nestas condições, este corpo não é inútil. Os Espíritos esclarecem, à questão 360: “Por que não respeitar as obras da criação, algumas vezes incompletas por vontade do Criador? Tudo ocorre segundo os seus desígnios e ninguém é chamado para ser seu juiz.”
Planejamento reencarnatório
Allan Kardec questiona, à pergunta 353 de “O Livro dos Espíritos”: “Não sendo completa a união do Espírito ao corpo, não estando definitivamente consumada, senão depois do nascimento, poder-se-á considerar o feto como dotado de alma?”, ao que os Espíritos instruem: “O Espírito que o vai animar existe, de certo modo, fora dele. O feto não tem pois, propriamente falando, uma alma, visto que a encarnação está apenas em via de operar-se. Acha-se, entretanto, ligado à alma que virá a possuir.” Verificamos, aí, a existência de um planejamento, muito anterior à fecundação propriamente dita. Um edifício começou por um projeto, o que não significa que ele não era nada, ou que nada havia sido ainda investido de tempo, energia e recursos quando esse prédio não estava no início de sua existência material e era “apenas” uma série de cálculos e desenhos.
André Luiz nos traz dois ilustrativos exemplos disso:
Em “Missionários da Luz” [4], verifica-se um planejamento reencarnatório e ligação psíquica que antecedem, em muito, a efetiva ligação do perispírito à célula-ovo fecundada materialmente: “Desde muito, e, particularmente, desde a semana passada, está em processo de ligação fluídica direta com os futuros pais.”;
Na obra “E a Vida Continua...” [5], observamos um planejamento reencarnatório com trinta anos de antecedência, visando a resgatar determinados procedimentos inadequados de alguns dos Espíritos da história narrada: “Ribas apanhou pequeno mapa, dentre os papéis que compulsava, e elucidou, indicando figurações aqui e ali: – A desencarnação de Elisa está prevista para breves dias, mas o renascimento dela, depois de reequilíbrio seguro em nossa estância, poderá ocorrer, conforme nosso esquema, dentro de cinco a seis anos. Com a permissão de nossos Maiores, será ela filha de Serpa e Vera, se vocês trabalharem no socorro a ambos, com muito amor... Renascerá depois de Mancini, que lhes será o primogênito... Como é fácil de perceber, daqui a trinta anos, mais ou menos, ocasião considerada provável para o retorno de Caio à Vida Espiritual, devolverá ele à sogra espoliada – então sua filha – tanto quanto a Vera Celina, na condição de viúva, todos os patrimônios de que hoje se apropria.”
Verifica-se, então, que uma célula-ovo, esteja ou não conectada efetivamente com um Espírito — o que nunca sabemos, por não haver ainda instrumentação para tal — pode ser parte integrante de um planejamento de décadas, e, por isso, merece todo respeito, como qualquer criação de Deus.
Concluindo...
Tudo é supervisionado por Deus através de seus filhos já evoluídos, como o é Jesus, Governador da Terra.
O que vimos como sucesso e fracasso, se pautado sob uma estreita perspectiva de uma só vida, mostra-se totalmente diferente ao entendermos haver a sabedoria de Deus em tudo, em um planejamento de longuíssimo prazo, de muitos milênios, visando à nossa evolução moral e intelectual. Demonstra-se, de forma clara, o quanto nossos Espíritos protetores trabalham por nós, com tanto tempo de antecedência, e o quanto temos a agradecer a Deus por seu concurso. Cabe a nós procurar agir da melhor maneira, buscando, pela prece, a inspiração desses bons Espíritos, de forma a não prejudicar esse planejamento.
Por Carla e Hendrio
Referências:
[1] XAVIER, Francisco Cândido. “Evolução em Dois Mundos”. Pelo Espírito André Luiz. 14ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1995. Segunda parte, capítulo 19.
[2] XAVIER, Francisco Cândido. “Entre a Terra e o Céu”. Pelo Espírito André Luiz. 17ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1997. Capítulos 09 e 20.
[3] PEREIRA, Yvonne do Amaral. “Memórias de um Suicida”. 22ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 2000. Segunda parte, capítulo I.
[4] XAVIER, Francisco Cândido. “Missionários da Luz”. Pelo Espírito André Luiz. 25ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1994. Capítulo 13.
[5] XAVIER, Francisco Cândido. “E a Vida Continua...”. Pelo Espírito André Luiz. 24ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1998. Capítulo 22.
FONTE:
http://licoesdosespiritos.blogspot.com.br
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