Atualizar ou Modificar??? |
Desde minha adolescência
sempre vi e ouvi diversos participantes do movimento espírita dizerem que era
preciso atualizar Kardec, cada qual usando um argumento diferente.
É claro que, se o codificador do
Espiritismo definiu esta doutrina como sendo de natureza científica com
conclusões filosóficas (ver preâmbulo do livro
“O Que é o Espiritismo”), como ciência, ela precisa estar se
atualizando com as novas descobertas, principalmente, em se levando na conta de
que a codificação data de meados de século XIX e atualmente muitos conceitos
científicos usados àquela época foram devidamente alterados.
Mas, na verdade, o que tenho
visto são verdadeiras aberrações e, para ilustrar esta afirmativa cito o caso
em que, numa Sala espírita da Internet estudávamos o livro “O Céu e o Inferno”
cuja segunda parte, toda, Kardec dedica à invocação de Entidades espirituais.
Um dos participantes afirmou que Kardec estava errado porque Emmanuel,
lembrando Paulo aos Hebreus – versículo que condena a evocação dos mortos –,
diz que “o telefone só toca de lá para cá”. Sem comentários.
No caso, a maioria dos que
querem reformular a obra de Kardec, na verdade, deixam-se levar pelos seus
próprios pensamentos, alguns ligados a tradições cristãs e outros admiradores
de obras mediúnicas, nem sempre coerentes com o pensamento do mestre lionês.
Até então, ainda não me
deparei com nenhum espírita que, de fato, proponha a atualização da linguagem,
porque, a não ser os que militam nas áreas científicas, os demais também não
estão a par da nova terminologia empregada, como no caso do termo “fluido” que,
na época da codificação, abrangia tudo o que não fosse sólido, inclusive as
energias, como a elétrica. Hoje, apenas os líquidos e os gases são considerados
como fluidos. Assim, os técnicos da linguagem, usam o conceito de “eflúvios”
para definir aquilo que seria o aludido fluido psíquico ou espiritual. E outras
coisas mais neste sentido.
O estudo da Mecânica Quântica,
por exemplo, inteiramente desconhecida dos médiuns e mensageiros espirituais
que estão transformando o Espiritismo no Brasil em mais uma seita cristã,
traz-nos novas ideias que, se analisarmos o que foi dito à época da
codificação, podemos, perfeitamente, adaptar aos novos conceitos, desde que
atualizemos nossas linguagens, mas, justamente isso é que não interessa aos
evangelizadores das igrejas que migraram para o movimento espírita porque
teriam que reformular suas antigas posições em vez de alterar os conceitos
espíritas como vêm a ser seus desejos, para adaptá-los às suas velhas
tendências. Kardec não podia, à sua época, falar em coisas que só foram
descobertas mais de um século após seu falecimento, pois isto seria antecipar
os conhecimentos humanos e ele seria considerado um visionário, como o foi
Jules Verne.
Assim mesmo, muita coisa
antecipada em suas obras foi tida como pura imaginação de crenças espirituais!
Calculemos, se ele afirmasse que o mundo material compreendia apenas 27% do
Universo e que o resto era a provável Espiritualidade, que Deus não podia ser
aquele apresentado pela Bíblia e que a Terra não era sua obra prima! Naquela
época, ninguém tomaria conhecimento da sua obra.
O que temos que levar em conta
é que, de fato, o Espiritismo foi codificado num tempo em que o conhecimento
científico relativo ao que já sabemos era por demais precário e que se supunha
que o homem, segundo a Bíblia estaria condenado a viver preso ao planeta, não
se admitindo que ele se tornasse um astronauta capaz de sair da nossa atmosfera
impunemente e voltar sem que tenha sido castigado por obra e graça divina. Até
hoje, várias Igrejas cristãs garantem que tudo é mentira e armação dos
americanos, pois, pela Bíblia, o homem não pode sair da Terra. Todavia, os
novos adeptos do movimento espírita, ainda calcados nos conceitos evangélicos
de suas antigas seitas, acham (doutrina do “achismo”)
que
o Espiritismo precisa exatamente se transformar em mais um movimento cristão
para que Jesus olhe por nós e não nos abandone. Como se os Espíritos superiores
fossem mesquinhos como os humanos vulgares. E ainda é a grande influência da
Igreja e de Entidades ligadas a ela que dita esse desejo de transformar o
Espiritismo em mais uma seita cristã, o que, em vez de atualizá-lo, fá-lo-ia
regredir aos antigos e impróprios conceitos religiosos.
Além disso, se a finalidade da
doutrina espírita é a de levar os ensinamentos e a doutrina de Jesus aos
cientistas sem lhes atacar o fundamento da razão, fazendo com que a codificação
se torne em mais um movimento cristão, o que se vai obter, justamente, é o
resultado contrário. Além disso, com as novas descobertas dos documentos do mar
Morto, tudo aquilo que a Igreja impôs como evangélico está sob suspeita de não
ser verdade. Por que, então continuar insistindo em tal erro, em vez de pautar
o Espiritismo pelos fundamentos que Kardec estabeleceu, principalmente na obra
que ele próprio considerou como básica para os estudos doutrinários? Mas, “O
Que é o Espiritismo” justamente, vem a ser o livro que os evangélicos excluem
de seus estudos. Pudera!
Atualizar Kardec, pois, não é
alterar seu pensamento, mas colocá-lo na linguagem atual esclarecendo o
possível significado das suas afirmativas com a coerência do que se conhece
pelas novas concepções estabelecidas. O que não se pode, também, é negar as pesquisas
que os parapsicólogos fazem – já que os espíritas são omissos –, servindo-se da
linguagem atualmente considerada arcaica, usada pelo codificador. E
principalmente: reconhecer que ele não podia ter sido mais claro e preciso do
que fora, ante os conhecimentos de sua época.
Atualizar é uma coisa,
modificar é outra.
Por Carlos de Brito Imbassahy
Fonte: Revista Harmonia
- Edição nº 167
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